“Minha primeira experiência com MSF”

A brasileira Denise Viuniski da Nova Cruz conta sobre seu primeiro projeto com MSF, no Líbano, após mais de 30 anos como médica e professora universitária. Ela atuou com a organização na região do Vale do Bekaa, entre março de 2022 e fevereiro de 2023.

Sempre quis ser fazer parte de Médicos Sem Fronteiras (MSF). Mas o tempo passou depressa: depois de mais de 30 anos como médica – a maior parte destes, professora de medicina – já estava decidida a aposentar as “chuteiras” e fazer outra coisa.

Então, com a pandemia da COVID-19, bateu aquela angústia de ver tanta gente em necessidade. Fiz o cadastro junto ao Ministério de Saúde, no auge da emergência, e de repente me vi em Roraima, no hospital de campanha, trabalhando lado a lado com jovens médicos e enfermeiros de MSF.

Percebi, naqueles colegas, a energia e o sentido que sempre busquei na prática e no ensino de habilidades médicas: estar exatamente onde nosso trabalho se faz mais necessário e atender pessoas que necessitam urgentemente de cuidados de saúde. E mais: cuidados de saúde de qualidade, sem qualquer impedimento ou preconceito de etnia, procedência, gênero, raça e/ou religião.

E, assim, me candidatei, aos 57 anos de idade, para atuar no meu primeiro projeto de MSF. Enviei meu currículo, uma carta de intenção e descrevi minha área de atuação – sou nefrologista, mas, durante toda a vida, trabalhei com Clínica Médica nos ambulatórios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da universidade, acompanhada por alunos e médicos residentes.

Isso é o que sei fazer: cuidar de pessoas com doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca, insuficiência renal; discutir casos com a equipe, com os pacientes e seus familiares, alunos e residentes. Assegurar-me de que nossos pacientes sejam atendidos com competência técnica, atitude ética, acolhimento, respeito e escuta.

Uma semana após enviar os documentos solicitados no site de MSF, recebi um e-mail da equipe de recrutamento: “Temos uma posição que parece ser adequada para suas credenciais e interesse”. Emoção! Algo que parecia tão distante, de repente, em três meses, se tornaria realidade.

Quando dei por mim, estava embarcando rumo ao Oriente Médio, ao Líbano, para uma experiência que, certamente, mudou minha vida e afetou amigos, colegas e alunos. E, como sinto que posso afirmar hoje, transformou a trajetória de novos amigos, colegas e pacientes que conheci do outro lado do planeta.

A equipe de MSF – centro operacional de Geneva em conjunto com a equipe MSF-Brasil – encontrou o projeto perfeito para mim. Nas duas clínicas de doenças crônicas no Vale do Bekaa, Líbano, eu reproduzi o que sempre amei fazer aqui no Brasil: atender pessoas com doenças crônicas, fazendo parte de uma equipe multidisciplinar. Tal equipe é composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais… entre profissionais libaneses e profissionais internacionais móveis (equipe de estrangeiros das mais diversas origens). Juntos, atendemos pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, que vivem nesse pequeno país localizado entre o Mediterrâneo, a Síria, a Jordânia e a Palestina.

Em 2012, MSF estabeleceu clínicas no Vale do Bekaa para atender refugiados sírios, obrigados a deixar seu país por causa da guerra. Desde então, MSF dedica-se a atender essa população. Milhares de pessoas que vivem, há anos, em tendas nos acampamentos de refugiados, sob o sol implacável dos meses de verão e sob camadas e camadas de neve no inverno.

Adultos, adolescentes e crianças. Pessoas que, sem outra opção, precisaram deixar tudo o que tinham para trás e correram para o país vizinho em busca de abrigo e proteção. Pacientes com doenças crônicas que necessitam de consultas sistemáticas e medicações de uso contínuo. As clínicas do Vale do Bekaa passaram a atender também, de forma crescente, a população libanesa em situação vulnerável. O que, no meu entendimento, as torna indispensáveis para garantir acesso à saúde para milhares de pessoas, diante de uma crise humanitária que parece não ter perspectiva de se resolver.

Meu coração de médica bateu “sem fronteiras”, em muitos idiomas, especialmente em árabe, atendendo e ajudando a atender quem conta com os nossos projetos para continuar tendo acesso a cuidados fundamentais de saúde. E que recebem de nós – de toda equipe MSF -, gestos de solidariedade, ações em saúde, olhares, apertos de mãos e abraços, com os quais comunicamos o mais importante: sempre que a nossa presença for necessária para garantir saúde de qualidade, estaremos lá.

Foto: Arquivo pessoal
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