História de Okachatou

Parte 5 – Guidam Roumdji, 20 de dezembro de 2011

Depois que a Globo esteve aqui, pensei em escrever um e-mail para explicar a história de um de meus pacientes que tenho certeza que eles irão mostrar.

Ele se chama Okachatou, tem 4 anos. Como várias outras crianças malnutridas, ele foi internado com um quadro de abdômen agudo (o termo médico para cirurgia de urgência no Brasil. Geralmente o que causa abdômen agudo é apendicite, mas por aqui, acreditamos que seja obstrução por ‘vermes’ ou alguma outra causa relacionada à dificuldade que essas crianças têm de absorver os nutrientes depois de tanto tempo malnutridas).

Enfim, transferimos Okachatou para Maradi, a cidade vizinha onde fica o hospital que realiza cirurgias para que ele pudesse ser operado.

Alguns dias depois ele retornou ao centro de nutrição, super mal, os pontos da cirurgia se abriram e ele estava com o intestino pra fora. Não sei o que eles fazem no Centro Cirúrgico em Maradi, mas sei que ele não foi a primeira criança que passou por isso, e, infelizmente, todos os outros que vi nesta mesma situação morreram.

A mãe de “Okacha” disse que não queria voltar à Maradi de jeito nenhum. Resolvemos enfrentar o desafio, suturamos o pequeno, demos antibióticos e ficamos na torcida que desse certo. O mais impressionante foi que a cicatrização foi excelente e antes de 3 semanas já estava quase tudo fechado.

Ele foi super corajoso, imaginem uma criança de 4 anos que tem uma colostomia (após as cirurgias intestinais é feito um orifício na barriga para que as fezes possam sair, em geral duram cerca de 1 ano até a recuperação total e a possibilidade de fazer uma nova cirurgia para fechar o orifício e restabelecer a função normal do intestino), sem a bolsinha coletora de fezes que utilizamos no Brasil (não temos isso aqui). O tempo todo ele ficava limpando o orifício ele mesmo com a gaze. Além disso, durante 10 dias ele recebeu antibióticos na veia 4 vezes por dia e às vezes tinha crises de dor e tinha medo de comer e ter dor ou os pontos abrirem de novo.

A mãe não entendia muito bem a doença e tinha vergonha do pequeno com as fezes saindo pela barriga, sem falar que ela tinha um medo terrível de os pontos reabrirem. Quando ele começou a andar, arrumamos uma armação de madeira e ele ia se apoiando e a mãe desesperada de medo atrás.

Com tudo isso, estive o tempo todo presente, fiz fotos (ele adora tirar fotos), briquei com ele e quando ele já estava melhor ficava do meu lado acompanhando as consultas das outras crianças.

O dia em que levei as fotos para ele e a equipe da Globo estava lá foi pura coincidência, mas fiquei super contente de poder mostrar este pequeno corajoso para o Brasil.

Agora ele vem ao hospital uma vez por semana para os curativos e sempre vem me visitar. Na caixa de roupinhas que recebi dos meus amigos do Brasil tinha um par de tênis azul, super fashion, exatamente o tamanho dele. Dei-lhe de presente, ele e a mãe ficaram super contentes e agora ele não vem mais descalso, vem com seu tênis fashion.
Gostaria de enviar as fotos, mas com esta net lenta não carrega.

Enfim, saibam que vocês viram uma pessoinha que renasceu e é um exemplo pra muita gente.

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