Fazer calor em terra calorosa

Foto: Arquivo pessoal

Lais Monteiro Vazami, psiquiatra de MSF, compartilha sua experiência em um projeto de saúde mental em Bouaké, na Costa do Marfim.

O projeto em que estou hoje* fornece cuidados às pessoas que sofrem com transtornos mentais e/ou epilepsia em Bouaké, na Costa do Marfim. Trata-se de uma iniciativa que vai de encontro à enorme falta de profissionais especializados na região. Os desafios de estar imersa em uma área do país que carece de cuidados de saúde mental são muitos. A realidade para os nossos pacientes não é fácil por aqui, e é justamente por isso que o projeto faz muito sentido.

No começo, eu ficava muito confusa com o fato de a comunidade ser tão calorosa e generosa com as pessoas de uma forma geral, mas, em contrapartida, não tratar os pacientes com transtornos mentais com a mesma atenção. Como era possível tamanho contraste? A ausência da figura do psiquiatra pode ser percebida nos territórios mais afastados da cidade. O transtorno mental é algo incompreendido, negligenciado e estigmatizado.

Este não é um problema encontrado apenas na Costa do Marfim, mas aqui, em especial, isso é muito contrastante. A cultura de acolhimento local é algo impressionante, mas é necessário quebrar a barreira que existe entre a comunidade e as pessoas que sofrem estigmas por causa de transtornos mentais.

Esse é um dos grandes objetivos do projeto. Integrar a comunidade e o projeto é um processo muito bonito que, aos poucos, tem rendido frutos. Ver um paciente nosso integrado e acolhido em seu espaço é uma alegria indescritível. Obviamente que para isso ser possível é necessário que os pacientes recebam tratamento médico adequado e suporte psicossocial de qualidade.

Uma das iniciativas da qual me orgulho muito é o uso da arte como um agente de desconstrução da psicofobia (preconceito contra pessoas com alguma condição ou transtorno mental). Recentemente, em parceria com atores locais, realizamos um festival cultural cujo tema era saúde mental. Estamos otimistas quanto aos efeitos dessa iniciativa. Eu gosto de dizer que estamos aqui para fazer ainda mais calor nessa terra tão calorosa.

*Momento em que esse diário de bordo foi escrito (novembro de 2022).

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print