Enchentes em Pernambuco: “Desafios que se somavam aos limites encontrados no trabalho cotidiano”

A psicóloga especialista em ética e comportamento de MSF-Brasil, Andréa Chagas, compartilha sua experiência ao atuar em parceria com o SUS em resposta às enchentes que atingiram Pernambuco.

O projeto em Pernambuco foi a minha segunda oportunidade para experimentar o trabalho em parceria entre Médicos Sem Fronteiras (MSF) e o Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira experiência que tive nesse sentido aconteceu durante a resposta à pandemia de COVID-19 em Manaus, no estado do Amazonas. Ao longo dos anos no território do trabalho, estive ocupando diferentes papéis na área da clínica e gestão do SUS. Uma vivência determinante para que me sinta “em casa” na relação de proximidade com a equipe, fluxos de trabalho e processos de gestão. Trabalhar com a equipe do SUS é trabalhar com companheires, independentemente do local do Brasil que nos encontramos.

Entendo a relação de trabalho de MSF com o SUS numa aposta de contribuição no modo mais adequado e cuidadoso que pudermos, no movimento, da grande engrenagem que é o SUS. Em função do perfil de trabalho de MSF, a sua entrada em si significa necessariamente a existência de uma condição de maior agravamento na saúde populacional. No decorrer do desenvolvimento do trabalho em Pernambuco, nas conversas com a equipe de MSF e com a equipe do SUS, utilizei da metáfora de uma imagem de uma grande máquina que seria o SUS e da função de um combustível para ilustrar MSF, para representar a singularidade entre os serviços e a função de movimento e potência que adquirem quando estão juntos.

Em Pernambuco, encontramos equipes bastante impactadas, no enfrentamento dos mais diversos esforços, para lidar com os desafios apresentados com as situações das chuvas. Desafios que se somavam aos limites encontrados no trabalho cotidiano. Um cenário que evidenciou a necessidade de reinvenção dos serviços, espaços e trabalhadores. A escola e a Unidade de Saúde passaram a ocupar o lugar de abrigo, representando o único espaço de segurança para as pessoas. Há uma mudança radical no cotidiano.

Penso que nossa entrada com a possibilidade de partilha das situações vivenciadas e a oferta de metodologia para o enfrentamento de uma situação de desastre contribuiu para o manejo da crise, para a construção de novos repertórios de intervenção e para a experiência de “não estar só” como ouvimos de muitas equipes. Essas falas traduziam o encontro de acolhimento e parceria, um dos objetivos centrais do nosso trabalho. São retornos que reforçam a importância de estarmos onde deveríamos de fato estar e de cumprir nosso compromisso de trabalho.
Experiências no campo da gestão do trabalho como a vivida em Pernambuco, em que encontramos muitas situações de perda, tristeza, sentimento de impotência, mas que também encontramos vontade de invenção clínica, alegria, solidariedade e acolhimento, reforçam profundamente a escolha na atividade do trabalho e na aposta ética da vida.
Em junho deste ano, uma equipe de MSF atuou em Pernambuco para dar suporte aos profissionais de saúde locais no enfrentamento das consequências das fortes chuvas que ocorreram no final de maio na Região Metropolitana do Recife. O foco foi o apoio e a capacitação em saúde mental. O público-alvo foram os profissionais da área de saúde, educação e assistência social, além de lideranças comunitárias que estão na linha de frente.

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