Daniela Batista, psicóloga, conta sobre seu trabalho no sistema penitenciário da Ucrânia

Parte 1 – 30 de agosto de 2011, Donetsk, Ucrânia

Oi gente!

Aqui estou eu de novo em mais uma importante missão. Sou psicóloga de Brasília, e desta vez vim parar em Donetsk, na Ucrânia. O trabalho de Médicos Sem Fronteiras(MSF) aqui é com o tratamento e prevenção da tuberculose (TB) e do HIV no sistema penitenciário.

O índice de TB na Ucrânia é muito alto, principalmente no sistema prisional. Quase não há fornecimento de medicamento pelo governo, e quando há, não tem boa qualidade. Quase 30% dos pacientes de TB, estão co-infectados com HIV.

Nossos pacientes são presidiários. MSF não quer saber porque eles foram parar ali. Para nós, são apenas pacientes que precisam de todo suporte necessário como um paciente qualquer. Nosso projeto é em um presídio chamado Colony 3, onde todos os internos são obrigatoriamente diagnosticados com TB, e uma grande parte é também HIV positivo. Quando eu falo em TB, por favor, incluam todos os tipos da doença – MDR (casos em que o corpo está mais resistente ao tratamento) e XDR (mais resistente que o MDR e se o paciente é também HIV, as chances de melhoras são muito baixas) também.

 Na Colony 3, a situação da maioria dos pacientes é grave. Lá temos o maior número de pacientes.

Atuamos também no Cizo, o local onde o preso fica antes de ir pra uma Colony, aguardando uma definição do sistema judiciário. De lá eles ganham a liberdade ou saem com uma sentença definida. Mas isso tudo pode levar meses para se definir. Temos projetos em três Cizos (5,6 e 7). Também tratamos dos que já foram soltos.

Esse projetona Ucrânia é bastante novo, e estamos apenas começando. Temos médicos, enfermeiros, técnico em laboratório, controle de infecção, farmacêutico e eu no time. Juntos vamos mudar um pouco da realidade desses lugares, proporcionando qualidade no atendimento e diagnóstico, diminuindo a transmissão das doenças, oferecendo remédios de qualidade e apoio psicossocial.

Cheguei aqui há pouco mais de um mês e já tenho muita coisa pra fazer! Depois de uma avaliação, que na verdade ainda está acontecendo, decidimos promover sessões educativas semanais (começamos dia 1 de agosto) e melhorar a qualidade e a estratégia do aconselhamento.

Meu primeiro objetivo é colocar em prática minha estratégia para que tenhamos um pré e pós-aconselhamento eficazes, bem como o aconselhamento que acontecerá semanalmente, para que os pacientes tenham todo o apoio necessário. Isso será para os pacientes na Colony 3, onde recebemos em média 20 novos casos toda semana.
Além de aconselhadoras, teremos também uma psicóloga lá dentro.

Não comentei com vocês, mas aqui a língua oficial é o russo, e pela primeira vez estou trabalhando com um assistente/tradutor.  Isso dificulta um pouco meu trabalho, claro, mas mesmo assim é possível. Decidi, então, contratar um psicólogo que fala a língua local, e assim facilitar o suporte psicológico aos pacientes.

Todo esse time será devidamente treinado. No início estarei com eles até se sentirem confortáveis com o novo trabalho. Darei apoio ao meu time até meu último dia nesta missão.

Muitos pacientes tentam suicídio, e outros muitos têm efeitos colaterais fortíssimos causados pelos medicamentos. Isso tudo dificulta e muito a adesão ao tratamento. O novo psicólogo também atenderá os nossos profissionais, o que é fundamental. Temos que pensar nos cuidadores, para que eles possam fazer um bom trabalho, certo?

Meu segundo passo, e não menos importante, é o suporte para os pacientes que serão liberados. Imaginem a tensão de um paciente desse? Preso há anos, muitos perderam suas famílias, a grande maioria é sem-teto e não sabem ao certo o que e como fazer com a liberdade… Neste grupo terei também um psicólogo nacional, que começara o atendimento com estes pacientes pelo menos três meses antes de serem libertados e que continuará com o atendimento depois da liberação, até quando for necessário.

O atendimento também será estendido aos familiares. Contratarei também um assistente social para apoiá-los na questão de lugar pra morar, de tirar documentação, de ajudar com qualquer assunto judiciário, com alimentação etc. Claro que neste grupo, temos médicos e enfermeiros também, pois é fundamental que o paciente continue seu tratamento, mesmo em liberdade. O tratamento mais longo da TB pode ser de até 24 meses, sem interrupções.

E o meu terceiro passo, será dentro dos cizos. Ainda não tive oportunidade de ir lá conhecer, mas já ouvi falar muito. Só depois de uma avaliação, poderei ver como será possível apoiar estes pacientes, que com certeza sofrem de depressão e ansiedade. Dou mais notícias sobre isso em um futuro diário, prometo.

Vocês também não podem se esquecer, que como o projeto é dentro do sistema penitenciário, temos que pensar sempre na questão da segurança. E não “oferecer” nada “inapropriado” para o paciente. Por exemplo, no mês passado, um dos pacientes, conseguiu falsificar um documento de identificação e fugir, saindo normalmente pela portaria. Isso só foi possível, porque ele teve acesso a papel colorido e lápis de cor. Enfim, tudo tem que ser muito bem pensando.

Bom gente, é isso por enquanto!
Sempre muito bom escrever, para vocês saberem um pouco mais de como é nossa vida nos projetos.

Aproveito pra deixar um beijo para minha filhota Luísa, e agradecê-la mais uma vez por todo apoio que ela me dá.

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