A chegada em outro universo

Novembro de 2014, Gaza
Compartilho esta primeira carta com meus filhos, amigos, familiares, conhecidos ou não – meus amores – escrita no meu quarto dia em um projeto médico-humanitário com a organização internacional Médicos Sem Fronteiras.

Registro antes a minha gratidão e encantamento pela equipe, mantenedores, doadores de todas as partes do mundo, que me acolhem tão fraternalmente nessa jornada, tornada possível por todos nós.

Meus amores queridos, por aqui vai tudo bem. Como brincamos aí no Brasil, sobre qualidade do sono, de fato dormi muito bem aqui. Nenhum descanso é melhor do que fazer o que se ama. Aqui é um lugar de pessoas, como qualquer outro do mundo. É lindo ver que a vida insiste, apesar de tudo e contrariando o pensamento, que se torna nosso vício humano, de que estamos ou somos melhores ou piores. Não! Somos só e tão simplesmente diferentes.

Há realmente muito o que eu possa fazer bem por aqui e que possam bem fazer por mim. Sei que isso já está acontecendo.

Os primeiros três dias em aviões, carros “briefings” e encontros, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Paris, Tel Aviv, Jerusalém, Erez e Faixa de Gaza. Todos eles, em todos os lugares, envoltos em humana acolhida, e hoje, de atendimento a pacientes, em Gaza – outros encontros, belos, com os atendidos e toda a equipe.

As pessoas têm ferimentos como todos nós, no corpo ou na alma; em ambos. Mais ou menos graves, mas sempre sentidos.

No corpo, realmente são peculiares – ferimentos de guerra. Mas sei que estou apto, com serenidade, a tratá-los conforme aprendi com meus mestres, “pais, e mães, na medicina e cirurgia”, e apoiado pela longa e sólida experiência de Médicos Sem Fronteiras.

Os da alma são sempre peculiares e aí, de fato, estamos todos sempre em momentos de solidão, solenes.

Bem, agora são 23h53 aqui, e vou dormir. A luz, por gerador, acaba daqui a pouco e já uso minha lanterna – aquela que se prende da cabeça, boa para iluminar minhas ideias.

O fim de semana aqui é sexta e sábado. Assim, vêm dois dias sem atendimentos médicos, para descansar, conversar, criar variações da vida.

Hoje tivemos um campeonato de pingue-pongue, após o dia de trabalho, entre quatro de nós, em duplas revezadas: Romênia, França, Chile-França e Brasil. Foi muito divertido!

Depois comemos juntos, batemos papo e cama. Só resto eu acordado ainda, mas já vou…

Boa noite, tarde, dia, a todos!

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