Milhões de pessoas estão sofrendo nesse momento por consequência de conflitos em pelo menos 30 países do mundo. Regiões onde confrontos armados são rotineiros, causando dor, perdas, violências, deslocamentos, exclusão do acesso à saúde e forte impacto na saúde mental de cada uma delas.

Enquanto a maior parte do mundo ignora os conflitos em Moçambique e no Sudão do Sul, civis são mortos e testemunham o sofrimento de seus entes queridos diariamente.

Mesmo que não se perceba essa realidade à distância, na Etiópia e no Afeganistão, a violência entre grupos opositores está entre as principais razões que dificultam o acesso das pessoas a cuidados de saúde nesses países.

Ainda que haja conflitos armados que duram anos na Síria e em Mianmar, causando os maiores deslocamentos de pessoas, estas estão entre as populações mais esquecidas do mundo.

E para chamar a sua atenção para realidades como estas e para tentar mudá-las que Médicos Sem Fronteiras lançou a campanha: “Vidas precisam de cuidado. Vidas precisam de atenção”.

Todos os dias, somos testemunhas dos terríveis sofrimentos a que essas populações são submetidas ao redor do mundo. Continuamos ao lado de nossos pacientes, onde quer que estejam, sempre nos comprometendo com nossos princípios, que incluem neutralidade e imparcialidade.

Estes que fazem o nosso trabalho possível há mais de cinco décadas. E que são tão relevantes e importantes para guiar nossos esforços enquanto trabalhamos para cumprir a nossa missão em ambientes complexos: salvar vidas.

É preciso dar visibilidade às crises humanitárias das quais praticamente não se fala, como estas e outras em diversos locais do mundo, e levar o conhecimento acerca do sofrimento vivido por milhares de pessoas. Contamos com sua ajuda para isso. Compartilhe e divulgue essa realidade!

Violência extrema no Sudão do Sul

Uma grave crise humanitária acontece agora no Sudão do Sul. Em meados de completar onze anos de independência, o país mais jovem do mundo é prejudicado pelo legado sangrento de sua primeira década, incluindo uma guerra civil de seis anos.

Estima-se que o conflito já tenha causado 400 mil mortes, muitas delas de civis, incluindo crianças e idosos. A violência sexual e de gênero tem sido frequentemente usada como arma de guerra, com ataques sistemáticos por motivos étnicos e políticos.

Parte da violência mais extrema foi realizada em locais de refúgio e santuários, incluindo hospitais estaduais, onde pacientes e pessoas que buscavam abrigo foram mortos em uma série de ataques brutais. Milhões de pessoas foram deslocadas, em diversos momentos, dentro e fora do Sudão do Sul. Isso inclui centenas de milhares de pessoas que buscaram abrigo em locais de Proteção de Civis (PoC) dentro das bases da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (em inglês, UNMISS).

Apesar do sofrimento da população sul-sudanesa, a crise continua sendo ignorada.

Convidamos você a conferir uma linha do tempo com os principais acontecimentos da última década no Sudão do Sul e as consequências do conflito para a sua população:

Hoje, 8,3 milhões de pessoas – mais de dois terços da população – estão em extrema necessidade de assistência humanitária e proteção. Atualmente, em meio à maior crise de refugiados na África, 2,2 milhões de sul-sudaneses estão abrigados em países vizinhos. Mais de 1,6 milhão de pessoas permanecem deslocadas internamente. Mesmo na melhor das hipóteses, o Sudão do Sul permanecerá vulnerável a crises humanitárias no futuro próximo e precisará de assistência por algum tempo.

Continuamos comprometidos com essa população e contamos com o seu apoio para dar visibilidade à essas vidas que precisam de cuidado, mas também de atenção!

Altos níveis de desnutrição no Afeganistão

Mesmo que não se perceba essa realidade à distância, confrontos armados ainda acontecem no Afeganistão, e a violência entre grupos opositores está entre as principais razões que dificultam o acesso das pessoas a cuidados de saúde no país.

Décadas de conflito, desastres naturais recorrentes, deslocamento interno generalizado, pobreza extrema e um sistema de saúde frágil têm prejudicado milhares de vidas todos os anos.

A crise econômica vivenciada pelos afegãos significa que muitos lutam para comprar comida suficiente, e a seca persistente, além do deslocamento causado pelo conflito, deixou as pessoas com menos reservas para o inverno.

Nesse cenário, mais da metade da população do país vive abaixo da linha da pobreza, e a insegurança alimentar está aumentando. Cerca de 22,8 milhões de pessoas são identificadas com insegurança alimentar aguda*.

A desnutrição é preocupante, em particular para mulheres, crianças e populações mais vulneráveis. Os centros de alimentação terapêutica para pacientes internados de MSF nas províncias de Herat e Helmand continuam operando acima da capacidade. Há mais internações do que leitos disponíveis. As taxas de desnutrição estão crescendo, e dois milhões de crianças estão desnutridas no Afeganistão*.

Os afegãos lutam para ter acesso a cuidados médicos básicos e de emergência devido à insegurança. Precisamos  levar o conhecimento acerca do sofrimento vivido por nossos pacientes.

 

*Fonte: Programa Alimentar Mundial (PAM)

Ajuda humanitária em risco na Etiópia

Com estado de emergência declarado na Etiópia, em novembro de 2021, tivemos que suspender as atividades médicas em diversas regiões do país onde acreditamos não ser mais possível trabalhar com segurança. Desde 2020, a Etiópia vive sob as hostilidades extremas de um conflito civil. Isso impacta particularmente as pessoas que vivem nas áreas mais remotas, onde a violência devastadora impede a ajuda humanitária de permanecer.

A situação é ainda mais preocupante na região de Tigré, no norte do país, onde grupos armados pressionam os habitantes a deixar para trás suas casas e tudo o que têm, gerando uma onda de deslocamento de milhões de pessoas para outras regiões da Etiópia. Muitas, só carregam consigo as roupas do corpo.

Com os frequentes ataques aos profissionais de ajuda humanitária, muitas organizações que prestam serviços essenciais às populações locais são obrigadas a suspender suas atividades. No último ano, três profissionais de Médicos Sem Fronteiras foram assassinados na região de Tigré , o que nos obrigou a suspender algumas atividades nas cidades de Abi Adi, Adigrat e Axum.

Veja como a dificuldade da atuação humanitária motivada pela violência afeta drasticamente a vida das pessoas na Etiópia:

Acreditamos que situações como essa merecem mais atenção. E essas pessoas, mais cuidado.

Forçados a fugir do Mianmar

Apesar da crise humanitária envolvendo a população Rohingya em Mianmar não ser recente – com ondas de deslocamentos desde os anos 90 – em 2017, ataques violentos do Estado forçaram milhares de idosos, crianças e mulheres a se deslocar para países vizinhos. Apenas neste ano, cerca de 700 mil pessoas foram forçadas a fugir em busca de um lugar seguro.

Após cinco anos, o número de refugiados deixando Mianmar continua crescendo. As consequências desses ataques geram problemas graves a mais de 1 milhão de refugiados que convivem não apenas com o trauma gerado pela violência, mas também pelas condições precárias dos campos de refugiados superlotados em que vivem. Ao redor de Cox’s Bazar, em Bangladesh, está o maior campo de refugiados do mundo*, com quase 900 mil pessoas, sendo cerca de 50% mulheres e crianças.

O povo Rohingya continua em risco e seu futuro é incerto, pois condições para uma vida digna e segura estão longe de serem realizadas.

Combinações perigosas em Moçambique

Ataques violentos e a insegurança contínua em vários distritos do centro de Cabo Delgado, província moçambicana, levam milhares de pessoas a deixar suas casas apenas com o que podem carregar, muitas vezes em meio a estações de ciclones e chuvas. Esta é uma combinação muito perigosa.

Moçambique é um dos países com maior risco de desastres naturais, com um ciclo anual de tempestades tropicais que deixa as pessoas com pouco tempo para se recuperar. Isto se agrava pelo fato de que uma parte significativa da população de Cabo Delgado está agora extremamente fragilizada devido ao deslocamento forçado e à falta de acesso a cuidados médicos.

Longe do fim, um conflito pouco conhecido, mas não menos mortífero, está em curso na província de Cabo Delgado. A escalada da violência forçou o deslocamento de mais de 780 mil pessoas* afetadas por cinco anos de conflitos que, embora ativo desde 2017, recebeu pouca atenção política dos governos regionais ou atores internacionais. Muito menos atenção tem sido dada ao número crescente de pessoas deslocadas e à crítica crise humanitária que a província enfrenta.

Estas pessoas têm vivido em meio à vegetação há meses, algumas mesmo mais de um ano, em áreas densas e inóspitas. Se alimentam apenas daquilo que conseguem encontrar pelo caminho: plantas, vegetais, alguns animais que caçavam. São habitualmente pessoas idosas, com desnutrição, anemia e com as roupas praticamente destruídas.

*Fonte: Organização Internacional para Migrações (OIM)

Atualmente, as pessoas deslocadas em Cabo Delgado estão extremamente vulneráveis a futuras tormentas tropicais, pois muitas vivem sem abrigo, água potável ou saneamento. Acompanhamos de perto o impacto que as mudanças climáticas têm sobre a vida das pessoas já em situação de vulnerabilidade. Eventos climáticos extremos como chuvas fortes, ondas de calor, ciclones e inundações serão mais frequentes e intensos no mundo.

A crise climática acentua crises humanitárias.

Como a guerra na Síra afeta mulheres e crianças

Em guerra há mais de 11 anos, a Síria é um país que tem sido destruído pela violência e que vive a maior crise de deslocamento do mundo. Milhões de sírios fogem todos os anos da violência do seu país. O sistema de saúde local foi devastado, a crise econômica e a falta de emprego agravam ainda mais a situação da população, já exausta de mais de uma década de conflitos.

Estima-se que mais de 13 milhões* de sírios foram forçados a deixar suas casas, desde 2011, em busca de um lugar mais seguro. Cerca de sete milhões de pessoas* estão deslocadas dentro do próprio país, a maioria vivendo em situação precária. No noroeste da Síria, 2,7 milhões de pessoas se encontram deslocadas de suas regiões, sendo 80% mulheres e crianças. E mais de 5 milhões de refugiados sírios estão espalhados pelo mundo, a maioria na Turquia, Jordânia, Iraque e Egito. Hoje, 60% da população síria vive em situação de insegurança alimentar, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA).

Com menos recursos para se proteger, mulheres e crianças são diretamente afetadas pela guerra e compõem a maioria da população de deslocados e refugiados, já que os homens, muitas vezes, partiram para o campo de batalha, tendo sido detidos ou mortos. Sozinhas, essas mulheres vivem as consequências devastadoras deste conflito. Muitas enfrentam o risco da violência de gênero, do casamento precoce e forçado, de abuso, tráfico e exploração sexual, especialmente as que se encontram vulneráveis e isoladas sem a proteção de familiares ou amigos. Muitas mulheres sírias estão se tornando cada vez mais arrimo de família .

Fonte: Acnur

Todos os dias, mães refugiadas lutam por sua sobrevivência e de seus filhos ao redor do mundo. Independentemente de onde elas sejam e quais sejam as adversidades, todas precisam de cuidado e dignidade.

Impacto na saúde mental: Iêmen

Já imaginou os efeitos devastadores no bem-estar das populações que vivem em zonas de conflito? Em especial, na saúde mental dessas pessoas?

Os mais de sete anos de guerra no Iêmen já causaram o deslocamento de milhões de pessoas e comprometeram gravemente o seu acesso a cuidados essenciais de saúde. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o contexto de guerra já causou o deslocamento interno de 4,3 milhões de pessoas no país.

Os conflitos enfraqueceram um sistema de saúde já frágil, e as crises econômicas como consequência afetaram a vida de milhões de pessoas: dois em cada três iemenitas vivem em extrema pobreza*. Em sete anos, cerca de 23,4 milhões de iemenitas tornaram-se dependentes da ajuda humanitária no país, isso equivale a 73% da população*.  

 

Uma alta demanda de serviços de saúde mental é observada em Hajjah, noroeste do Iêmen, como relata a coordenadora de atividades psicossociais Antonella Pozzi*:

“A gama de doenças que tratamos é muito grande. Há pessoas que sofrem de ansiedade e insônia, e vemos pacientes apresentando patologias graves, como psicose, depressão, transtorno bipolar e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

Em nosso serviço, atendemos regularmente pacientes após tentativas de suicídio. Uma tentativa de suicídio pode ser provocada por uma variedade de circunstâncias. Os sintomas graves de psicose podem se manifestar como alucinações auditivas que dizem ao paciente para se machucar, ou o paciente pode estar sofrendo de depressão grave. No caso da psicose, é importante compreender a experiência subjetiva do indivíduo, uma vez que as alucinações podem parecer muito reais e gerar bastante sofrimento”.

“O bem-estar mental é muito afetado por fatores externos. Quanto mais intensas forem as circunstâncias de alguém, mais seu bem-estar será impactado. Viver em um contexto de guerra significa estar exposto a estresse constante por um longo período de tempo. O conflito armado no Iêmen não afetou apenas a saúde física das pessoas: reduziu seu acesso à saúde, educação e alimentação, restringiu sua liberdade de movimento e negou-lhes a liberdade de se expressar. Isso cria graves transtornos de saúde mental.
Pacientes com problemas de saúde mental no Iêmen não são diferentes de outros que vivenciam conflitos ao redor do mundo. Mas 45% dos pacientes que atendemos na clínica de saúde mental de MSF apresentam casos graves. O número de casos graves é surpreendentemente alto, principalmente levando-se em consideração que, em todo o mundo, e mesmo em ambientes de conflitos, o número de pacientes com transtornos de saúde mental graves não deve ultrapassar 5,1% do total de casos, conforme definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019.

A falta de serviços na área da cidade de Hajjah e por vários quilômetros ao redor significa que todos os casos graves na região são direcionados às nossas atividades, o que pode explicar os números”.

As autoridades identificaram mais de 9 mil pacientes na área de Hajjah que precisam de serviços de saúde mental. O número real é provavelmente maior, uma vez que as necessidades de saúde mental tendem a ser subestimadas. Frequentemente, as pessoas vêm à nossa clínica de distâncias de mais de 100 quilômetros para acessar nossos serviços, e isso indica as grandes necessidades em todo o país. 

Por causa da guerra, a população de Hajjah está acostumada a altos níveis de violência. As pessoas aqui são muito resistentes e sua tolerância a circunstâncias adversas é muito alta. Isso significa que elas chegam às consultas de saúde mental apenas se um problema de saúde mental se tornar muito óbvio e perturbador para o paciente e seus entes queridos”.  

“Mesmo se os conflitos acabassem amanhã, seus impactos à saúde psicológica das pessoas serão vistos e sentidos por muitos anos. O Iêmen precisa de uma abordagem abrangente de longo prazo, incluindo mais serviços para lidar com a iminente crise de saúde mental.  

Se esquecidos, os problemas de saúde mental podem se transformar em complicações crônicas em maior escala, resultando no isolamento daqueles que sofrem de transtornos. Isso pode levar a mais danos ao tecido social, que já é muito fraco.  

Esperamos que, por meio de nosso trabalho colaborativo, possamos contribuir para a melhoria das condições de saúde mental de uma população que já enfrentou e superou adversidades em níveis profundos e devastadores.”

**Entrevista realizada em novembro de 2021. 
*Fonte: ONU