Cuidados em saúde mental para mães e crianças na Líbia

Equipe de saúde mental fala sobre seu trabalho para aumentar a compreensão sobre a importância desses cuidados

Cuidados em saúde mental para mães e crianças na Líbia

Autoras: Magbola Al-dresi, Najlaa Mohammad, Naziha Al-Agori, Naziha Al-shrif, Nora Wneis, Ola Tabasi e Reimy Solange

Cuidados de saúde mental exigem compromisso entre os serviços de saúde, profissionais e famílias, especialmente quando se trata de crianças. É impossível desvincular o desenvolvimento infantil – que envolve personalidade e psicopatologia – do desenvolvimento familiar no que refere ao seu ciclo vital, onde o diagnóstico e a psicoterapia ajudam a superar os eventos traumáticos e proporcionar o bem-estar na medida do possível. É isso que estamos fazendo desde o ano passado em Benghazi, na Líbia.

O projeto de saúde mental na Líbia para crianças e mães como público-alvo começou no final de 2016, complementando as atividades de MSF nas áreas de pediatria, ginecologia e abastecimento de instalações médicas. Esse momento inicial ocorreu sem dificuldades significativas, mas com muitas tarefas graduais: desde conhecer e mobilizar parceiros para implementar e consolidar os serviços psicológicos e psiquiátricos, até aumentar, diversificar e potencializar esse trabalho envolvendo as famílias por meio de atividades de grupo para os pais, mães e casais.

Ainda há muitos desafios a serem superados, bem como muitos progressos desconhecidos referentes às práticas que implementamos. Não é fácil ou simples entender e construir estratégias de apoio para crianças e famílias. Não é fácil fornecer cuidados de saúde mental específicos através de uma abordagem culturalmente sensível. Não é fácil enfrentar o grande estigma e desconhecimento sobre saúde mental. Não é fácil promover adesão aos serviços. Não é fácil mobilizar e conhecer o público e suas demandas, muitas vezes, implícitas. Não é fácil tratar vítimas de violência diariamente. Não é tão fácil articular os conhecimentos teóricos e as práticas para as pessoas que estão diante de você de forma contextualizada. Mas mesmo assim, nós fazemos isso.

Esses desafios e progressos só puderam ser percebidos porque a primeira etapa do projeto foi gerenciada com sucesso pela psicóloga Elsa Ganas. Proporcionar acompanhamento psicológico envolve boa comunicação e escuta profissional relacionado ao trauma, assim como apoiar e entender a vida dessas pessoas de uma maneira adequada. Algumas crianças são capazes de compartilhar suas experiências traumáticas e seu sofrimento. Especialmente quando elas têm o apoio adequado, mas também há crianças que encontram dificuldade em compartilhar e tendem a ser reservadas, o que as leva a sofrer em silêncio e se privar de um apoio apropriado. Esperamos poder alcançar todas essas crianças e ajudá-las por meio de nosso próprio aprendizado.

Proporcionar serviços de saúde mental em um contexto marcado por guerras apresenta a dupla dimensão do fenômeno da violência. De maneira ampla, temos a necessidade de proteger a integridade e a dignidade das pessoas e, de maneira restrita e imediata, a necessidade de prestar assistência para seus variados efeitos psicológicos, dentre os quais destacam-se as reações e os sintomas do trauma nas crianças e suas famílias. Aumentar a compreensão por meio da abordagem psicológica envolve considerar essas duas dimensões da realidade, bem como suas limitações. Os psicólogos locais, por exemplo, não conseguem interromper os conflitos em seu país, mas podem proteger as crianças, as mulheres e os homens nas situações críticas e instruí-los sobre como lidar com situações traumáticas por meio das nossas experiências, capacidades de apoio e psicoterapia no enfretamento dos obstáculos que encontramos em uma sociedade que estigmatiza a doença mental.

Muitas são as expressões que um sintoma traumático pode apresentar; porém, o stress está sempre presente. A peculiaridade do desenvolvimento infantil pode ser afetada por desastres no qual os efeitos psicológicos também afetam suas famílias e vice-versa, como um círculo vicioso. Para promover superação é necessário compromisso e cuidados diversificados para todos. Nesse sentido, é importante que os psiquiatras incluam em suas práticas abordagens para além da terapia medicamentosa. É isto que faz a dra. Noura Wneis. Ela começou a fornecer cuidados psiquiátricos para mães que sofrem de distúrbios psicológicos, juntamente com sessões psicopedagógicas sobre como lidar com o stress. Também foram realizadas algumas sessões sobre psiquiatria por meio de um programa de treinamento para trocar experiências com a equipe de saúde mental durante as reuniões semanais da equipe.

Apoiar e aumentar a compreensão de crianças e suas famílias também está relacionado diretamente à aprendizagem profissional de longa duração em saúde mental, para que seja possível identificar as melhores abordagens de acordo com suas características e necessidades. Cuidados individuais e em grupo, psicoterapia, serviços psiquiátricos e psicopedagógicos formam o conjunto de estratégias de saúde mental oferecidos. De grande importância são também as reuniões regulares da equipe, como momento fundamental para reflexões e aperfeiçoamentos. São momentos para trocar opiniões, sugestões e discutir as dificuldades que enfrentamos, tentando encontrar soluções.

Estes são os principais pontos que descrevem de forma geral o trabalho de nossa equipe multiprofissional de saúde mental, bem como os sentimentos compartilhados por todas. É gratificante oferecer esse serviço de forma gratuita, capaz de alcançar todos que realmente precisam, pois fornecer apoio psicológico em um contexto de conflito e ainda manter uma equipe coesa e culturalmente diversificada é uma conquista diária.

Para isso, muitas barreiras precisam ser superadas e diferentes profissionais devem ser envolvidos para facilitar e tornar a comunicação inclusiva para todos. Em outros termos, isso significa que aqui e através do apoio em saúde mental fornecido por MSF, o intérprete médico trabalha lado a lado com a psicóloga para quebrar a barreira da linguagem que impede as pessoas de interagirem umas com as outras. O intérprete funciona como uma ponte para conectar e unir diferentes culturas. Desafios aceitos, desafios lançados!
 

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