A vida em meio a uma Ucrânia ainda em guerra

Administradora brasileira passou seis meses com MSF no país e relata suas experiências

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Já não se fala muito mais sobre a guerra na Ucrânia, mas ela continua ali. Quem assegura o fato é a administradora brasileira Mariana Couto, que retornou de um projeto de ajuda humanitária de Médicos Sem Fronteiras com base em Dnepropetrovsk, a 400 km de Donetsk. Segundo ela, os bombardeios em Donetsk ainda eram diários quando ela deixou a região, no início de agosto, e a população ucraniana continua privada do acesso a cuidados básicos em muitas localidades.

Ao todo, foram seis meses de trabalho na Ucrânia, desde janeiro deste ano. Mariana estava no país na ocasião do cessar-fogo em fevereiro, e conta que as condições em campo, de fato, melhoraram depois do acordo. “Minha função era justamente fazer a ligação entre a base da coordenação e os projetos em campo. Então, pude vivenciar por mim mesma essa melhora”, conta. “E foram tantas vezes, mas tantas, as que eu tive de passar por pontos de controle para entrar no leste do país, nos territórios autodeclarados como República Popular de Donetsk (DPR, na sigla em inglês) e a República Popular de Luhansk (LPR), que posso dizer que me especializei em passes”.

Quando o conflito teve início no leste, em maio de 2014, MSF prestou suporte a hospitais com o fornecimento de medicamentos e suprimentos para tratar os feridos de guerra. Esse apoio foi incrementado significativamente durante o pico dos confrontos em julho e agosto e, com a proximidade do rigoroso inverno, MSF também distribuiu cobertores e outros itens essenciais a hospitais e pessoas deslocadas. Desde o início deste ano, devido ao aumento das necessidades, a organização opera clínicas móveis para oferecer cuidados a pessoas com doenças crônicas e regulares, que não mais tinham acesso a seus medicamentos desde a interrupção do fornecimento no ano passado e do aumento significativo do preço desses itens. As pessoas enfrentam dificuldades para conseguir antibióticos, analgésicos, insulina, medicamentos psiquiátricos e para doenças crônicas, como pressão alta e doenças cardíacas e renais. Hoje, devido à grande circulação de pessoas nos pontos de controle para entrar e sair das áreas controladas por rebeldes, MSF oferece serviços de primeiros socorros e pontos de distribuição de água para a população que ali espera horas debaixo do sol, tanto para visitar familiares, como para comprar comida mais barata e suprimentos do lado ucraniano.

Para o trabalho, então, segundo ela, as dificuldades burocráticas têm sido desafiadoras: “Não há mais sistema bancário operante em DPR e LPR. São, agora, duas repúblicas criando seus próprios mecanismos para governar, para recolher impostos, por exemplo. Imagine para MSF, para uma pessoa que tem de fazer pagamentos dos funcionários: são três leis do trabalho, três tipos de contrato, dois sistemas monetários. É de enlouquecer!”.

A guerra continua dando sinais de vida diariamente, verdade. Pelas ruas, ainda desfilam os tanques de guerra, e todo aquele aparato bélico integra a paisagem local. As pessoas, no entanto, ainda sofrem com a privação do acesso a cuidados básicos, e isso justifica a permanência de equipes de MSF no leste da Ucrânia. Presença que, segundo ela, é muito apreciada pela população ucraniana. “Tive oportunidade de participar de doações que fizemos às pessoas. Posso dizer que nunca senti nada igual”, ressalta Mariana.

Desde o início do conflito, MSF prestou suporte a mais de 350 instalações de saúde em ambos os lados da fronteira com a doação de medicamentos e equipamento médico. Desde janeiro de 2015, MSF opera clínicas móveis nas províncias de Donetsk e Luhansk, em ambos os lados da linha de frente de batalha, para oferecer cuidados de saúde básica aos habitantes de cidades e vilarejos e às pessoas vivendo em acomodações temporárias. Equipes de MSF atualmente operam clínicas móveis em mais de 80 localidades. A organização também administra um amplo programa de suporte psicológico, oferecendo aconselhamento individual e em grupo por meio de clínicas móveis, bem como em escolas, abrigos para pessoas deslocadas e instituições sociais. Desde maio de 2014, os profissionais realizaram mais de 102 mil consultas de saúde primária, ofereceram suprimentos médicos para o tratamento de mais de 23 mil pacientes feridos de guerra e conduziram mais de 7.500 consultas de saúde mental. Mais de 61 mil pacientes com doenças crônicas receberam medicamentos para tratamento.

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