Uma bela e ensolarada manhã esconde um dia de pânico na República Democrática do Congo

O relato de Eva Van Beek, uma das profissionais de MSF enviadas para a Bunia, RDC. O que parecia ser um dia calmo e ensolarado, tornou-se um pesadelo para milhares de pessoas em Bunia. 30 morreram e muitos outros ficaram feridos.

Era uma manhã ensolarada. O sol acabava de surgir no horizonte, e nós estávamos engatinhando para fora da barraca, ainda sonolentos depois de uma noite perturbada pelo barulho de um gerador. Enquanto preparávamos o café, alguns ainda se espreguiçando, outros já bem acordados, ouvimos o som forte de explosões ao longe. De início, não ficou claro o que era o barulho, nem de onde vinha. Por acaso seria a Força Internacional de Paz que havia chegado no dia anterior explodindo minas terrestres? Seriam tiros? No começo ninguém ficou preocupado. Os militares da Missão das Nações Unidas no Congo continuavam suas rotinas matinais no acampamento, aglomerados em torno da bandeira de seus países. No entanto, as explosões se intensificaram. E o que ouvimos naquele momento não nos deixava mais dúvidas: eram tiros, explosões de morteiros e metralhadoras que interrompiam o silêncio daquela calma manhã. Bunia estava sendo atacada.

Por volta das sete da manhã um alerta geral soou no acampamento da Missão da ONU e os soldados começaram a se movimentar freneticamente, pegando suas armas, capacetes e roupas a prova de balas e seguiram, alguns em carros, outros marchando. Permanecemos no nosso acampamento sem nos mover, por questões de segurança. Nosso coordenador de campo, Fred Meylan, estava se comunicando por meio do rádio com a clínica de MSF a cerca de 500 metros de distância, do outro lado do campo de deslocados internos, onde 3.000 moradores de Bunia, aproximadamente, buscavam refúgio dos conflitos que aconteceram no início de maio. Os profissionais locais da clínica de MSF já estavam todos presentes, muitos deles haviam passado a noite lá. Eles estavam cuidando dos doentes e feridos. Eles estavam controlando a situação, embora muitos pacientes estivessem nervosos e com medo.

As primeiras informações começaram a chegar: os rebeldes haviam iniciado os conflitos as seis da manhã. Os primeiros combates aconteceram no sul de Bunia. Uma hora depois eles já estavam em ‘La Cité’, como é chamado o centro da cidade de Bunia, atirando e lutando em direção ao norte, empurrando o outro grupo rebelde para o Mercado Central, uma praça deserta com barracas vazias, onde ninguém havia vendido, comprado ou barganhado nada por um bom tempo.

Quando os conflitos acalmaram, num primeiro momento, Fred Meylan e a enfermeira Karima Hammadi entraram num carro e foram para a clínica verificar os pacientes. A clínica estava aberta para emergências, embora apenas um pacientes com um fratura teve que ser internado.

Alguns disparos podiam ser ouvidos da clínica. Foi quando as pessoas começaram a se concentrar no campo de deslocados internos próximo à clínica. Em apenas meia hora, a quantidade de pessoas no campo dobrou, se não triplicou. Alguns expressavam medo, outros desesperança e outros se mostravam irritados. “Por favor, me dêem cobertores e comida, eu tenho cinco filhos e nada para abrigá-los,” um frágil homem dizia. Ele não era o único: muitos cidadãos de Bunia haviam deixado suas casas naquela manhã às pressas, deixando tudo pra trás mais uma vez.

Os conflitos aumentaram novamente por um curto período de tempo. Disparos eram ouvidos não muito longe da clínica. Um morteiro explodiu próximo ao aeroporto. Mais tarde soubemos que os rebeldes haviam sido expulsos de Bunia novamente, e estavam em direção ao sul, atirando ainda.

De volta à nossa base, a equipe se manteve ocupada, carregando caixas de papelão cheias de material médico de um estoque para o outro, ajeitando as coisas que precisavam ser ajeitadas. Estávamos também nos preparando para uma possível evacuação. Alguns profissionais de outras organizações de ajuda humanitária chegaram nos contando o que havia acontecido em ‘La Cité’. Eles ficaram presos em casas que ficavam no meio do fogo cruzado, tentando manter-se protegidos, estirados no chão até que o pior passasse.

Os conflitos finalmente se acalmaram após cinco horas, mas a situação permaneceu bastante tensa por pelo menos mais duas horas. Foi decidido que a equipe seria reduzida. A equipe médica, assim como o coordenador de campo, ficaria para dar assistência à população.

Por volta do meio dia, os primeiros aviões das Nações Unidas começaram a chegar novamente e por volta das duas da tarde a equipe médica retornou para o hospital. Nove pessoas foram tratadas na clínica de MSF de ferimentos de balas, estilhaços de projéteis e fraturas expostas. O número de pacientes no hospital dobrou, chegando a 60.

Naquele dia, cerca de 30 pessoas foram mortas.

*Eva Van Beek é profissional de MSF e esteve em Bunia para acompanhar a equipe de MSF que está oferecendo ajuda às vítimas do conflito. Entre os dias 9 e 12 de maio, a cidade de Bunia foi o centro de uma grave batalha entre os grupos armados congoleses e as forças estrangeiras. Desde 1994, a República Democrática do Congo enfrenta uma guerra civil e um conflito internacional envolvendo os maiores países africanos.

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