Trabalho de ONGs tenta reverter situação da Aids na Ásia

Continente é o segundo mais afetado pela doença, depois da África. Entidades tentaram transformar Camboja em exemplo de sucesso

Quase 25 anos após os primeiros casos de Aids terem sido registrados na Ásia, hoje, data em que se celebra o Dia Mundial de Luta contra a Aids, a região ainda está longe de conseguir conter a epidemia. Segundo continente mais afetado pelo HIV/Aids no mundo, seus países enfrentam obstáculos comuns, como desinformação, falta de acesso à saúde, estigmatização da doença e altos preços de medicamentos anti-retrovirais.

Soma-se a isso a falta de estatísticas apuradas, que provoca um grande fosso entre os números oficiais e a realidade. Um bom exemplo é o Camboja, cujos dados oficiais indicam que 220 mil pessoas, de uma população total de 14 milhões, são soropositivas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a incidência da doença e de 0,9%, a mesma do Brasil. No entanto, organizações não-governamentais que trabalham no país enfrentam uma realidade bem mais difícil.

"Trabalhando diretamente com a população soropositiva de duas cidades no Camboja, Takeo e Siem Riep, vemos que a situação é bastante grave. Um dos maiores entraves é o fato de que o governo teve muita dificuldade em reconhecer a extensão do problema, o que se traduziu em um certo atraso na implementação do tratamento", conta o pediatra brasileiro Sérgio Cabral, que desde junho faz parte da equipe da organização não-governamental internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), presente no país desde 1989.

Até 2002, o governo do Camboja não tinha um protocolo oficial para o tratamento da doença. "No inicio dos anos 2000, a Aids era totalmente ignorada. Apenas quatro ou cinco médicos eram especializados em HIV. Não havia interesse no país", conta o médico cambojano Soeung Seitaboth, de 36 anos, responsável pela departamento de HIV/Aids do Hospital Pediátrico Angkor, em Siem Riep, e que, como muitos cambojanos, perdeu um parente para a doença.

Por conta da situação, a MSF decidiu escolher o Camboja como área de atuação, numa tentativa de provar que era possível tratar adequadamente pacientes HIV-positivo em países em desenvolvimento onde a doença ainda é negligenciada. Para tanto, implementou um programa focado em prevenção, diagnóstico e tratamento, em parceria com o governo e, mais tarde, ONGs locais e internacionais.

A 'receita' parece simples, mas até então era considerada impossível, devido a problemas como baixo índice de escolaridade da população, estigmatização da doença e alto custo do tratamento. "Muitas pessoas não procuram os hospitais porque têm medo de sofrer preconceito. Quando resolvem procurar auxílio, a doença já está em um estágio muito avançado", explica Seitaboth.

Mesmo se procurassem os hospitais a tempo, os cambojanos se deparavam com o problema do acesso a medicamentos. Com uma média salarial de US$ 40 por mês, poucos seriam capazes de pagar US$ 100 mensais por um tratamento com anti-retrovirais de primeira linha ou US$ 100 mil por mês pelo de segunda linha. "Para atender esses pacientes, a ONG passou a dar apoio aos hospitais e a oferecer gratuitamente o tratamento com anti-retrovirais em 2002", conta o médico cambojano.

No entanto, a estigmatização da doença ainda era um grande barreira que afastava os pacientes dos hospitais. Para driblar o preconceito, MSF criou o Centro de Doenças Crônicas, onde oferece também tratamento para hipertensão arterial e diabetes, doenças de alta incidência no Camboja, mas cujo tratamento era insuficiente ou inexistente. "Dessa forma, quem procura a unidade não fica estigmatizado como soropositivo", conta a enfermeira brasileira Kelly Cavalete, que trabalha com a MSF no Hospital Provincial de Referência em Takeo, interior do país.

Vencida a barreira da estigmatização, apareceu um novo problema: a dificuldade de aderência ao programa. "Grande parte dos pacientes vive em zonas rurais. Devido ao alto índice de pobreza, muitos não tinham dinheiro para pagar por transporte para o hospital. A baixa escolaridade também criou barreiras, porque muitos pacientes não conseguiam entender como usar os medicamentos, que devem ser tomados mais de uma vez por dia, em horários fixos. Muitos nem relógio tinham", conta Cabral. Para solucionar o problema, o MSF passou a pagar o transporte dos pacientes, realizar visitas domiciliares e treinar funcionários para informá-los sobre doença e ensiná-los a tomar os medicamentos.

Todo o esforço teve um resultado positivo: o programa tornou-se referência e foi adotado em outros países da Ásia e da África, como Tailândia, África do Sul, Moçambique e Libéria. Além disso, há dois anos, o governo do Camboja criou um protocolo para HIV/Aids e ganhou do Fundo Global Internacional US$ 20 milhoes para investir no tratamento da doença. Com isso, a MSF se prepara para encerrar seus projetos de HIV no país em meados do próximo ano, com a promessa do governo de manter o acesso gratuito ao tratamento.

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