Terremoto em Mianmar: famílias ainda vivem em abrigos provisórios

Em alguns vilarejos, até 90% das moradias foram danificadas ou destruídas pelo desastre, ocorrido há quase dois meses.

Mosteiro construído sobre palafitas no Lago Inle após terremoto em Mianmar. ©Nicolas Schreiner/MSF

Quase dois meses após o terremoto que atingiu Mianmar em 28 de março, a população que vive na região do Lago Inle, no sul do estado de Shan, ainda vive consequências devastadoras. O desastre – que deixou 3.757 mortos e 5.107 pessoas feridas no país, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) – causou destruição generalizada na região. Em alguns vilarejos, até 90% das moradias foram danificadas ou destruídas.

Casa de palafitas no Lago Inle danificada após terremoto em Mianmar. © Zar Pann Phyu

Por gerações, as comunidades do Lago Inle vivem em moradias de palafitas construídas sobre a água, feitas de madeira e bambu. Com os fortes tremores, alguns moradores precisaram fugir rapidamente quando suas casas desabaram.

 

Foi isso que Daw May Lwin*, de 49 anos, enfrentou. Quando o terremoto começou, ela estava em uma torre de água, que desmoronou, jogando-a no lago. “Enquanto eu lutava para não me afogar, a água se tornava espessa com a lama e os detritos do solo. Quanto mais lutava para escapar, mais afundava. Mas tive uma sorte incrível: consegui sair”, lembra Daw. “Um pedaço de bambu da torre desmoronada flutuou em minha direção e eu me agarrei a ele. […] Felizmente, encontrei algo sólido embaixo de mim. Pisei nele, me apoiando, e saí da água.”

 

 

O relato de Ma Thazin, outra pessoa afetada pelo terremoto, ilustra a dimensão do impacto do terremoto na região. “Restam apenas três ou quatro casas de 245 moradias [no vilarejo], mas as que sobraram estão inclinadas. Isso é preocupante, por causa da estação chuvosa. Se o vento estiver forte, até as casas que possuem estruturas de apoio altas balançam, então os abrigos temporários não serão seguros. Quanto mais familiares houver morando no mesmo abrigo, pior fica a situação. Espero que não volte a haver enchente [como em setembro de 2024]”.

Muitas pessoas deslocadas estão instaladas em abrigo provisórios no lago, e há preocupação pela chegada das monções. ©Zar Pann Phyu/MSF

Desastres seguidos tornam ainda mais difícil a recuperação da comunidade

Muitos barcos também foram danificados ou destruídos no terremoto, afetando a subsistência e a capacidade de mobilidade das pessoas. O abastecimento de água potável foi interrompido, e a reconstrução de estruturas é dificultada pelo acesso fluvial e pelo aumento dos preços dos materiais.

As comunidades do lago também correm risco de serem impactadas por enchentes, principalmente durante a estação chuvosa das monções. Fortes inundações em setembro de 2024 atingiram alguns vilarejos de forma crítica.

“Durante a enchente [de setembro de 2024], ficamos no segundo andar de nossa casa, pois o térreo estava submerso. Mas em comparação com o terremoto, a enchente foi muito menos severa. Agora, estamos morando na casa de outra pessoa, pois a nossa não é mais habitável”, relata Daw May Lwin, que se abriga na casa de um tio com o marido e a mãe. “Nossos dois barcos foram destruídos, então tivemos que pegar um emprestado de um vizinho. É bom para viagens curtas, mas não nos sentimos confortáveis em usá-lo o dia inteiro, pois não é nosso.”

Eu amo morar no lago, mas quando desastres como esse acontecem não há para onde correr.”

– Ma Thazin, sobrevivente do terremoto em Mianmar

Ma Thazin, que também foi atingida pela enchente e pelo terremoto com a família, recorda como é difícil se reerguer, especialmente com a alta dos preços das commodities. Segundo ela, para quem vive da pesca, como sua família, a retomada das atividades é complicada, porque um barco novo custaria cerca de 3 milhões de MMK (moeda de Mianmar), o que equivale a aproximadamente 8 mil reais.

“Estou casada há três anos. Durante esse tempo, enfrentamos o pesado fardo do aumento dos preços das commodities. Na segunda vez que tentamos reconstruir nossas vidas, houve uma enchente. Tentamos novamente e, apenas um mês depois, ocorreu um terremoto. Perdemos tudo no que havíamos trabalhado tanto. Agora, não sabemos como recomeçar”, lamenta Ma Thazin.

Atualmente, Ma Thazin mora com o marido na casa de parentes, enquanto os sogros vivem em um mosteiro, onde é mais seguro. “Eu costumava pensar que terremotos só aconteciam em terra, não na água, mas eu estava errada. Eu amo morar no lago, mas quando desastres como esse acontecem não há para onde correr”, diz ela.

Equipes de MSF seguem trabalhando para atender pessoas deslocadas pelo terremoto, fornecendo itens de primeira necessidade a comunidades afetadas. ©Zar Pann Phyu/MSF

Desde o terremoto, muitas das pessoas que foram deslocadas estão vivendo na mesma situação de Ma Thazin e Daw May Lwin: dividem casas superlotadas, tendas e abrigos improvisados em trechos de terra seca ao redor do lago.

Equipes de MSF estão trabalhando em quatro vilarejos no Lago Inle, restaurando o abastecimento de água potável, fornecendo materiais de construção e itens de primeira necessidade às comunidades afetadas. Apesar de quase dois meses após o terremoto, a situação está longe de ser resolvida.

*Nome alterado

 

Compartilhar