“Temia pela minha vida, da população, dos pacientes e da equipe”

Coordenador médico de MSF no Sudão do Sul relata bombardeio que atingiu nosso hospital em Old Fangak

Hospital de MSF em Old Fangak em chamas após ser bombardeado. Sudão do Sul, maio de 2025. ©MSF

David Charo Kahindi, coordenador médico de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Sudão do Sul, estava na cidade de Old Fangak quando nosso hospital na região foi bombardeado, no último dia 3 de maio. Ele foi uma das pessoas da equipe que ajudaram a apagar o fogo no local, atender e transferir os pacientes feridos. A seguir, David descreve o que aconteceu.

“Fui acordado pelo bombardeio por volta das 4h50 de sábado [3 de maio]. Eu podia ouvir os helicópteros sobrevoando o local e as pessoas gritando ao nosso redor. Toda vez que escutava os helicópteros, temia pela minha vida, da população, dos pacientes e da equipe. O bombardeio continuou por cerca de uma hora. Tudo o que eu conseguia ouvir eram os disparos das armas e os gritos da população.

Quando finalmente tudo ficou calmo, peguei imediatamente o barco para chegar ao hospital. Encontrei nosso vigia no portão e vi que o local estava completamente destruído. Havia balas por toda parte. Ao entrar no complexo [hospitalar], vi partes de armamentos que haviam explodido.

Logo ficou evidente que quem bombardeou o hospital queria que essa farmácia e todos os remédios que estavam lá dentro fossem completamente queimados.”
– David Charo Kahindi, coordenador médico de MSF no Sudão do Sul

Quando cheguei na farmácia, ela estava pegando fogo. Todos — a equipe e a comunidade — estavam tentando buscar água com baldes para apagar o incêndio. Não era uma tarefa fácil, pois nossos tanques de combustível ficavam a alguns metros de distância de onde estava a farmácia, então tínhamos medo de que, se o fogo continuasse, esse combustível explodiria e causaria outro desastre além do incêndio com o qual já estávamos lidando.

Hospital de MSF em Old Fangak em chamas após ser bombardeado. Sudão do Sul, maio de 2025. ©MSF

No início, achei que havia uma chance de salvarmos alguns dos medicamentos que estavam lá dentro, mas logo ficou evidente que quem bombardeou o hospital queria que essa farmácia e todos os remédios que estavam lá dentro fossem completamente queimados. Levamos cerca de cinco horas até conseguirmos apagar completamente o fogo.

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Depois, entrei no hospital. Primeiro, fui até a ala masculina, onde havia dois pacientes na noite anterior. Quando entrei na enfermaria, não havia ninguém lá, mas tinha buracos de bala e sangue no chão. Eu estava preocupado. Não sabia o que havia acontecido ou para onde os pacientes haviam ido. O mesmo aconteceu na ala feminina.

Em seguida, cheguei à sala de emergência, onde a equipe estava ocupada estabilizando e tratando os pacientes que tinham acabado de chegar da cidade. Havia 20 no total. Alguns deles estavam em estado muito, muito crítico, e precisávamos urgentemente estancar o sangramento. Alguns tinham sido baleados na cabeça, no peito, no abdômen.

Tentamos fazer tudo o que podíamos, mas não havia outros suprimentos além dos que estavam na ala antes do ataque. O que tínhamos definitivamente não era suficiente.

Estou completamente desolado com o que aconteceu. O hospital estava lá há mais de 10 anos e era uma salvação para mais de 100 mil pessoas na região.”
– David Charo Kahindi, coordenador médico de MSF no Sudão do Sul

Depois de estabilizarmos os pacientes, nós os transferimos de lancha para um vilarejo a cerca de uma hora de distância, que considerávamos mais seguro. A maioria dos pacientes eram mulheres. Havia também adolescentes de apenas 15 anos de idade feridos.

No vilarejo para onde fomos, não havia nada além de uma barraca. Estávamos no meio do nada. Mantivemos os pacientes na tenda e demos a eles os medicamentos que conseguimos levar conosco. No dia seguinte, eles foram transferidos por via aérea para um hospital em Akobo para receber tratamento adicional.

No entanto, cerca de 10 mil pessoas haviam fugido para o mesmo local e, pela manhã, ficou visível que não tínhamos suprimentos suficientes para administrar uma unidade de saúde capaz de oferecer qualquer tipo de atendimento médico a esse número de pessoas.

Pedimos ajuda urgente à equipe na capital, Juba. Com o apoio das Nações Unidas, conseguimos transportar por via aérea 350 kg de suprimentos médicos para administrar um posto de saúde nessa tenda. Esperamos não receber mais feridos, mas continuamos a receber informações de que há bombardeios contínuos em outras áreas.

Estou completamente desolado com o que aconteceu. O hospital estava lá há mais de 10 anos e era a salvação para mais de 100 mil pessoas na região. Hospitais nunca deveriam ser alvos.

Eu condeno totalmente esse bombardeio. Era um hospital com 35 leitos que tinha um departamento ambulatorial, enfermarias de internação, maternidade — e podíamos encaminhar casos graves para instalações mais complexas. Agora, não resta mais nada.”

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