Tanzânia: refugiados falam sobre suas condições de vida

Nos acampamentos superlotados de Nduta e de Nyarugusu, não há água, alimentos e abrigo suficientes, e as condições insalubres aumentam o risco de doenças

Tanzânia: refugiados falam sobre suas condições de vid

Mais de 290 mil pessoas estão vivendo em campos de refugiados no distrito de Kigoma, no noroeste da Tanzânia. A maioria é do Burundi, país vizinho. Há pessoas cruzando a fronteira todos os dias – em janeiro, quase 19 mil burundineses chegaram à Tanzânia, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur).

Superlotação e condições insalubres, particularmente em abrigos sobrecarregados que recebem os recém-chegados, estão causando diversos problemas de saúde, incluindo diarreia, infecções respiratórias e de pele. As crianças, bem como gestantes ou mulheres que acabaram de dar à luz, são, na maioria das vezes, as mais vulneráveis. A malária é uma das maiores ameaças nos acampamentos, particularmente durante a estação chuvosa, quando a água parada se torna ideal para a proliferação de mosquitos. Somente em janeiro de 2017, MSF testou mais de 31.200 pessoas e tratou as 16.812 que foram, de fato, diagnosticadas com a doença.

Abaixo, dois pacientes da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) que vivem nos campos de Nduta e de Nyarugusu descrevem os problemas que enfrentam como resultado da falta de abrigo, água, alimentos e higiene, assim como seu cotidiano nos acampamentos.

Aisha
Aisha, de 23 anos, vive no campo de refugiados de Nduta com seu marido e seus dois filhos. Recentemente, ela deu à luz seu terceiro filho, na maternidade que MSF mantém no acampamento, o que fez dela uma das 3.005 mulheres que deram à luz nas instalações de MSF em Nduta em 2016. Devido a complicações no parto, o bebê de Aisha está internado no hospital para receber cuidados contínuos e ficar em observação.

“Estou muito feliz com o nascimento do meu filho, mas, por outro lado, estou preocupada com o futuro dele. Ele nasceu após enfrentar sofrimento fetal. Ele não conseguia respirar direito, não estava se mexendo, e ainda não chorou ou fez qualquer barulho que os bebês normalmente fazem. Ele também não consegue se alimentar naturalmente, então está sendo alimentado por uma sonda. Ele só tem cinco dias de vida, mas já passou por muito sofrimento. Eu sei que ele terá uma vida cheia de dificuldades à sua frente – qual a esperança que resta para uma criança nascida em um campo de refugiados?

Quando penso sobre o futuro, fico triste. Não tenho dinheiro ou meios de sustentar meu bebê e outros dois filhos mais velhos. Estou no acampamento há 10 meses, mas obter alimentos ainda é um problema – eu não tenho os ingredientes necessários para preparar refeições adequadas e, normalmente, os suprimentos acabam muito antes de recebermos a próxima porção de ração alimentar. Eu tento fazer o meu melhor para sustentar meus filhos, mas eles não comem direito e não têm roupas o suficiente.

Eu costumava ter muitos sonhos, mas agora tento afastá-los do meu pensamento – não há mais oportunidades para que eu me planeje ou evolua de alguma forma. Me sinto presa aqui e gostaria de poder encontrar um lugar tranquilo para onde pudesse fugir, mas não tenho outras opções. Quando penso no que me aconteceu em minha casa, sei que é melhor ficar em Nduta. Eu nunca, jamais, vou voltar ao meu país. Só tenho que achar uma maneira de continuar a vida aqui.”

Ramadhani

Ramadhani, de 26 anos, foi diagnosticado com malária em um dos três postos de saúde que MSF mantém no campo de refugiados de Nyarugusu. Ele é uma das 6.802 pessoas com malária que MSF tratou em janeiro.

“Eu estou doente desde ontem à noite. Sinto dor de cabeça, náusea e muito frio. Não consigo parar de tremer. Hoje, vim à clínica de MSF, fiz exame de sangue, e o médico disse que estou com malária. Estou esperando receber alguns medicamentos que me farão sentir melhor. Tenho um mosquiteiro na minha tenda no acampamento, e, embora eu a use, ainda assim, fiquei doente. Não sei como isso aconteceu.

Eu moro aqui há seis meses com a minha esposa e os meus dois filhos, que têm 4 e 5 anos. Minha esposa está grávida de quatro meses, mas vinha tendo dores no estômago, então foi levada ao hospital do acampamento. Ela está lá agora, e eu estou esperando notícias suas. Estou muito preocupado com ela e nosso filho.

Passei a maior parte da minha vida como refugiado. Cresci em outro acampamento na Tanzânia depois que meus pais e eu fomos forçados a fugir de nosso país. Mesmo assim, ainda não me acostumei com as condições em que vivemos, a vida é muito difícil aqui. Refugiados nunca têm uma vida boa – é uma luta contínua para obter alimentos e água o suficiente, e viver em uma tenda é muito desgastante. Mas é melhor do que viver com medo em casa. Eu não posso e não vou voltar para casa. Ficarei neste acampamento até morrer.”

MSF atua na Tanzânia desde maio de 2015. Atualmente, equipes estão trabalhando nos campos de refugiados de Nyarugusu e Nduta. Em Nyarugusu, MSF mantém uma unidade de estabilização de 40 leitos e três clínicas de tratamento de malária, além de oferecer apoio de saúde mental. Em Nduta, MSF é a maior provedora de cuidados, mantendo um hospital de 120 leitos e cinco postos de saúde, e também oferece apoio de saúde mental.

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