Sudão do Sul: “Vejo pessoas em colapso, fisicamente exaustas. Elas evidentemente não têm comida suficiente há algum tempo”

Coordenador do projeto de emergência de MSF em Twic, Sudão do Sul, descreve a situação urgente de mais de 20 mil pessoas forçadas a fugir após violência em Agok.

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Foto: Scott Hamilton/MSF

Sami Al-Subaihi é coordenador do projeto de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no condado de Twic, no estado de Warrap, Sudão do Sul. Ele compartilha suas preocupações urgentes com mais de 20 mil pessoas que fugiram de confrontos violentos em Agok e ao redor da Área Administrativa Especial de Abyei há mais de quatro meses. Agora, essa população vive em seis campos improvisados para deslocados. Sami relata que a falta de comida e abrigo adequado, condições de água e saneamento calamitosas e a estação chuvosa iminente significam um desastre para os próximos meses.

 

Hospital em Agok, que agora está vazio. Abril, 2022. Foto: Scott Hamilton/MSF

 

Falta de comida

“Ouvi de um líder comunitário no campo de Nyin Deng Ayuel que duas crianças e um adulto morreram nos últimos dois dias. Encontro a mãe de uma das crianças sentada ao lado do túmulo do filho, de cinco anos de idade, cavado recentemente. Seus outros três filhos, todos muito magros e fracos, sentam-se na entrada do abrigo improvisado da família. Falando com a mãe deles, não consigo ter uma imagem exata do que causou a morte do seu filho, mas olhando para os irmãos, não tenho dúvida que a falta de comida contribuiu para isso.

Caminhando pelos acampamentos improvisados no condado de Twic, mais do que tudo, é com isso que a comunidade me diz estar preocupada: a falta de comida. Em um acampamento, vejo pessoas em colapso, fisicamente exaustas. Elas evidentemente não têm comida suficiente há algum tempo. Eu não vejo ninguém cozinhando ou qualquer comida armazenada em nenhum dos abrigos. As pessoas me dizem que quase não há peixes no rio, que já se encontra em risco de seca, forçando muitos a recolher folhas para comer”.

 

Kwanya Teb cozinha folhas para alimentar seus cinco filhos. Abril, 2022. Foto: Scott Hamilton/MSF

 

Fornecimento de alimentos

“A escassez de alimentos nos campos tem se agravado desde fevereiro, quando milhares de pessoas chegaram aqui pela primeira vez após confrontos mortais terem forçado-as a deixar suas casas em Agok, a 20 quilômetros daqui.

A terrível situação nos forçou a fazer algo incomum e fora de nossas atividades médicas regulares: fornecemos alimentos – quase 500 toneladas métricas nos últimos meses – às comunidades que estão aqui para tentar evitar desastres. E estamos analisando organizar mais fornecimentos de comida nas próximas semanas e meses”.

 

Destroços de prédios e pertences no mercado de Agok, um dos primeiros lugares a serem queimados quando a violência intercomunitária eclodiu em fevereiro de 2022. Abril, 2022. Foto: Scott Hamilton/MSF

 

Clínicas móveis

“Além disso, administramos clínicas móveis em seis locais, onde nossos médicos costumam ver crianças muito doentes com malária e doenças diarreicas e, mais recentemente, com desnutrição de maneira crescente.

Os problemas de saúde que estamos vendo refletem as condições de vida calamitosas nos campos. Por meses, as pessoas têm sobrevivido principalmente ao ar livre, se adaptando com pedaços de pano e algumas folhas de plástico para protegê-las da luz solar escaldante e da ameaça constante de cobras e escorpiões. Não consigo ver como esses abrigos frágeis os protegerão de muita coisa se as chuvas sazonais forem fortes este ano”.

 

Uma paciente é submetida a um teste rápido para malária em uma clínica móvel de MSF no campo de deslocados de Gomgoi. Abril, 2022. Foto: Scott Hamilton/MSF

 

Distribuição de artigos não alimentares

“Nossa equipe distribuiu cobertores, mosquiteiros, galões e sabonetes para cerca de 10 mil famílias. Também construímos mais de 310 latrinas, instalamos oito estações de água potável e estamos no processo de confeccionar alguns poços artesianos para fornecer ainda mais água própria para consumo a milhares de pessoas. Mas, honestamente, não é o suficiente. Com as chuvas, podem vir inundações, piores condições de vida e menos acesso à água potável e aos serviços de saneamento, o que aumentará os riscos de surtos de doenças como malária, sarampo e cólera”.

 

Membros da equipe de logística de MSF distribuem cobertores e galões no campo de deslocados de Nyin Deng Ayuel, no condado de Twic. Abril, 2022. Foto: Scott Hamilton/MSF

 

Cortes de financiamento

“Apesar de termos alertado várias vezes desde o início desta emergência, estou consternado com a falta de uma resposta adequada das organizações internacionais e dos doadores governamentais que atuam no Sudão do Sul. A resposta tem sido lenta e inadequada. E agora, em vez de aumentar, as principais organizações estão sendo forçadas a reduzir suas atividades por causa de cortes de financiamento. Ao mesmo tempo, o custo disparado dos alimentos em todo o mundo está sendo sentido de forma aguda por comunidades já vulneráveis atingidas por crises sucessivas no Sudão do Sul”.

 

Após coletar água e lenha, pessoas no campo de deslocados de Gomgoi preparam alimentos para a comunidade depois de uma distribuição de alimentos de MSF. Abril, 2022. Scott Hamilton/MSF

 

“Ajoelhado ao lado dessa mãe em luto no acampamento de Nyin Deng Ayuel, fico pensando em algo significativo para dizer a ela. Todas as ofertas habituais de condolências que posso pensar soam vazias e hipócritas. Dadas as condições atuais no acampamento, sei que nossa previsão para os próximos meses não é animadora, e me preocupo com seus outros três filhos. Da nossa parte, estamos intensificando nossas atividades – mais alimentos, água potável e latrinas. Também estamos preparando os centros de saúde locais para cuidar de um influxo de crianças com desnutrição e faremos uma campanha preventiva de vacinação contra o sarampo em parceria com o Ministério da Saúde do Sudão do Sul nas próximas semanas. Espero que possamos evitar o pior e garantir que outros pais não sofram a mesma perda”.

 

MSF trabalha na Área Administrativa Especial de Abyei desde 2006. O hospital de MSF – estabelecido em Agok em 2008 – fornecia uma ampla gama de serviços de saúde para cerca de 140 mil pessoas. Após a violência inicial que eclodiu em 10 de fevereiro de 2022 e em torno de Agok, MSF suspendeu os serviços no hospital e começou a fornecer assistência médica e humanitária a pessoas que fugiram para o sul do condado de Twic, estado de Warrap, e norte da cidade de Abyei, na Área Administrativa Especial de Abyei. De fevereiro a maio de 2022, as equipes médicas de MSF realizaram mais de 34 mil consultas para pessoas de comunidades deslocadas e locais no condado de Twic.

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