Sudão do Sul enfrenta colapso no sistema de saúde em meio à pior escalada da violência desde 2018

Em novo relatório, MSF denuncia aumento de ataques a unidades de saúde, falta crônica de medicamentos e queda no apoio internacional

Profissional de saúde realiza um exame de desnutrição em Alnel, uma criança de 1 ano de idade, acompanhada de sua mãe, Nyanbeny. ©Sean Sutton/Panos Pictures

 A população do Sudão do Sul enfrenta uma situação humanitária cada vez mais precária, enquanto o interesse e o apoio internacional seguem em declínio. Essa é a conclusão do relatório “Deixados para Trás na Crise: Violência Crescente e Colapso do Sistema de Saúde no Sudão do Sul”, lançado por Médicos Sem Fronteiras (MSF). 

Com base em dados médicos de rotina e em depoimentos de pacientes, cuidadores, membros da comunidade e profissionais de saúde que vivem nas áreas de atuação de MSF, o relatório revela o impacto humano de um sistema de saúde em colapso e de uma resposta humanitária insuficiente. 

O sistema de saúde do Sudão do Sul está à beira do colapso. Em todos os locais onde MSF atua, nossas equipes testemunham enormes lacunas nos serviços de saúde. As unidades médicas estão inoperantes ou gravemente subfinanciadas.”

– Sigrid Lamberg, coordenadora de operações de MSF no Sudão do Sul

“A escassez crônica de medicamentos e profissionais faz com que pessoas morram de doenças evitáveis ​​e tratáveis. As unidades de saúde precisam de apoio prático, não apenas teórico”, continua Lamberg. Este ano, a violência entre as forças governamentais e de oposição, bem como entre grupos armados não estatais, aumentou drasticamente, marcando a pior escalada desde a assinatura do acordo de paz de 2018. O crescimento dos confrontos, os ataques a unidades de saúde realizados por todas as partes envolvidas no conflito e as restrições de acesso estão dificultando ainda mais a prestação de cuidados médicos e ajuda humanitária.  

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), desde janeiro, novas ondas de violência deslocaram mais de 320 mil pessoas e causaram a morte de 2 mil. Em Malakal, entre abril e novembro de 2025, as equipes de MSF trataram 141 pacientes com traumas, incluindo mulheres e crianças — muitos com ferimentos provocados por arma de fogo. 

Em flagrante violação do direito internacional humanitário, 2025 também registrou um aumento acentuado nos ataques a instalações de saúde realizado por todas as partes envolvidas no conflito. Somente MSF sofreu oito ataques direcionados às suas instalações e equipes em Equatória Central, Jonglei e Alto Nilo, o que levou ao fechamento forçado de dois hospitais em Ulang e Old Fangak. 

Em 3 de dezembro, uma de nossas unidades foi atingida por um ataque aéreo na cidade de Pieri, estado de Jonglei. No mesmo dia, após o bombardeio em Pieri, as equipes de MSF presenciaram novos ataques aéreos em Lankien, onde a organização também administra instalações de saúde. 

As comunidades enfrentam múltiplas crises simultâneas: conflito, deslocamento em massa, inundações, desnutrição e surtos de doenças – incluindo o maior surto de cólera da história do país. O apoio internacional, no entanto, continuou a diminuir em 2025, apesar do agravamento das condições de vida da população e da redução no acesso a serviços essenciais. 

O Projeto de Transformação do Setor de Saúde (HSTP, na siga em inglês), uma iniciativa com múltiplos doadores lançada em julho de 2024, continua sendo o principal instrumento para a prestação de serviços de saúde no Sudão do Sul. Liderado pelo governo, em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o UNICEF e entre outros atores, o projeto tinha como objetivo inicial apoiar 1.158 unidades de saúde em 10 estados e três áreas administrativas. No entanto, devido a restrições orçamentárias, apenas 816 unidades estão atualmente contempladas pelo programa, e mesmo estas ainda enfrentam escassez persistente de medicamentos e pessoal.

“Viajei de Keurdeng, em um trajeto que levou uma hora. Há um pequeno posto de saúde na comunidade, mas ele não dispõe de todos os medicamentos — às vezes os estoques acabam muito rápido. Levei a criança ao centro de saúde, mas também não havia medicamentos”, relatou uma cuidadora em Toch às equipes de MSF. 

A malária continua sendo um grande desafio, permanecendo como a principal causa de morbidade e mortalidade no Sudão do Sul, principalmente entre mulheres e crianças. Apesar disso, pelo segundo ano consecutivo, 2025 registrou falta de medicamentos contra a malária em todo o país durante o pico da temporada. Sem tratamento oportuno, a doença pode se tornar fatal rapidamente. Entre janeiro e setembro de 2025, as equipes da MSF trataram 6.680 pessoas com malária com quadros graves que precisaram de hospitalização. 

Há anos, a população do Sudão do Sul enfrenta algumas das maiores necessidades médicas e humanitárias do mundo. Em 2025, a situação no Sudão do Sul piorou significativamente. As crescentes necessidades exigem ação urgente: os doadores internacionais devem honrar seus compromissos de apoio aos esforços humanitários e de saúde, e as deficiências nos programas existentes devem ser abordadas com urgência. 

Crianças e cuidadores na ala pediátrica de internação do hospital em Old Fangak, no Sudão do Sul. ©Paula Casado Aguirregabiria/MSF

No mínimo, é preciso garantir a entrega oportuna de medicamentos essenciais, suprimentos e salários para os profissionais de saúde. Em meio à escalada da violência, o acesso humanitário, a proteção de civis e o respeito às instalações de saúde devem ser assegurados. MSF também apela ao governo do Sudão do Sul para que aumente o orçamento nacional de saúde, em consonância com o compromisso assumido na Declaração de Abuja de destinar 15% à saúde. Atualmente, apenas 1,3% do orçamento nacional é alocado para a saúde. 

“A situação no país é catastrófica”, afirma Lamberg. “As necessidades urgentes da população do Sudão do Sul exigem ação coordenada, compromisso renovado e genuína solidariedade internacional. O mundo não pode desviar o olhar, especialmente agora.” 

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