Sudão do Sul: centenas de milhares ainda vivem em condições precárias meses após as inundações

Famílias deslocadas enfrentam insegurança alimentar, perda de renda, desnutrição e falta de água potável; estima-se que 835 mil pessoas tenham sido afetadas.

Foto: Sean Sutton/2021

Quando os níveis das enchentes começaram a subir em sua aldeia, Nyabeel*, de 21 anos de idade, e seu marido ficaram indecisos sobre o que fazer. Deixar sua terra, da qual dependiam para se alimentar, foi uma decisão difícil. “Passamos três dias nos mudando. Foi um desafio, com quatro filhos e um rebanho de cabras”, conta.

Oito meses após o início das inundações, as pessoas no estado de Unity, ao norte do Sudão do Sul, continuam sofrendo com más condições de vida e sob risco de surtos de doenças infecciosas e transmitidas pela água. Espalhadas em vários acampamentos improvisados, elas enfrentam insegurança alimentar, perda de renda, desnutrição e falta de água potável. Estima-se que 835 mil pessoas tenham sido afetadas .

Desnutrição

Em seu vilarejo, Nyabeel dependia do cultivo de sua terra e do leite de suas cabras como alimento. “Tínhamos uma vida mais estável do que esta aqui, agora, comemos uma refeição de milho por dia”. Nyabeel levou seu filho de um ano para a clínica móvel de MSF no campo de Kuermendoke, na cidade de Rubkona, para tratamento de desnutrição grave e aplicação de vacinas essenciais. Kuermendoke é um dos três acampamentos que têm uma alta porcentagem de crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição aguda severa. “Nossa pesquisa nutricional demonstrou que a prevalência de desnutrição aguda severa nos campos está bem acima do limite de emergência de 2% da OMS”, disse o Dr. Reza Eshaghian, líder da equipe médica para resposta de emergência a inundações de MSF.

“O impacto da inundação é evidente”, diz o Dr. Eshaghian. “Quando você anda pelos campos, você vê crianças desnutridas, pessoas pegando água suja da enchente para beber, gados em colapso e suas carcaças por toda parte. Essas condições precárias estão prejudicando a saúde das pessoas”.

Foto: Sean Sutton/2021

1 OCHA, Sudão do Sul: Relatório da Situação das Inundações No., 14 de dezembro de 2021

 

Perda de renda

Os estudos iniciais da FAO sugerem que cerca de 65 mil hectares de terras cultivadas foram danificados devido às inundações, enquanto mais de 800 mil animais morreram em oito dos 10 estados do Sudão do Sul. Tendo perdido tanto de seu gado, muitas mulheres deslocadas estão recorrendo à coleta de lenha para ter uma renda. No entanto, os aumentos nos preços das commodities alimentares estão tornando a obtenção de alimentos mais difícil para os deslocados.

Com um aumento de 80% nas admissões no Centro de Alimentação Terapêutica para Pacientes Internados (ITFC), MSF abriu uma terceira enfermaria do ITFC em seu hospital no campo de deslocados internos de Bentiu . As equipes de MSF também administram clínicas móveis que visitam acampamentos na região de Mayom e nos arredores, em Bentiu e Rubkona, respondendo à malária, desnutrição e diarreia aquosa aguda.

Foto: Sean Sutton/2021

 

Condições de água e saneamento

Para a maioria dos desabrigados, é quase impossível encontrar água potável. “Nossa única fonte de água para beber, cozinhar e lavar são as enchentes”, diz Nyapal, mãe de quatro filhos.

Antes da enchente em torno de Bentiu, as instalações de saneamento no campo de deslocados já estavam em condições críticas e raramente recebiam manutenção. “Durante algum tempo, as inundações impossibilitaram o acesso aos tanques de tratamento de resíduos. Isso levou a um acúmulo de esgoto nas latrinas do campo, que transbordou para os canais de esgoto abertos, local onde as crianças brincam com frequência”, disse Cawo Yassin Ali, líder da equipe de água e saneamento da equipe de emergência de MSF enviada para a resposta às enchentes. Para reduzir o risco de surtos, MSF montou uma estação de tratamento de esgoto dentro do campo para conter e tratar os dejetos fecais.

Foto: Sean Sutton/2021

Inundações em 2021 mataram quase 800 mil cabeças de gado e destruíram mais de 37 mil toneladas de plantações no Sudão do Sul, FAO
3 Anteriormente um local de proteção de civis, é o maior campo para pessoas deslocadas internamente devido às recentes guerras civis no Sudão do Sul

 

Volta indefinida

Com os níveis da água começando a diminuir lentamente em torno de Bentiu, ainda não está definido quando Nyabeel, Nyapal e milhares de outras pessoas deslocadas poderão voltar para casa. “Não temos nada aqui, viemos de mãos vazias, a aldeia está coberta de água e não sabemos quando vai secar”, diz Nyabeel.

Até que as pessoas possam voltar para casa, elas serão forçadas a continuar vivendo nas atuais condições precárias. Isso representa um desafio adicional para os atores humanitários, exigindo que eles não percam de vista a resposta às necessidades imediatas, embora reconheçam a natureza prolongada desta crise e atendam aos padrões correspondentes além do limite inicial de emergência.

“Existem imensas necessidades, incluindo a necessidade de abrigos adequados, água potável e infraestrutura de saneamento, cuidados de saúde de qualidade, segurança alimentar e apoio aos meios de subsistência. Atores humanitários, doadores e o governo do Sudão do Sul precisam agir agora, antes que seja tarde demais. Eles não podem se dar ao luxo de esperar mais”, diz o Dr. Eshaghian.

*Nome alterado para proteger a identidade

 

MSF trabalha no Sudão do Sul desde 1983, operando agora com mais de 14 projetos em todo o país, prestando serviços médicos que salvam vidas para as comunidades que mais precisam. As equipes de MSF trabalham em hospitais e clínicas em todo o país, administrando alguns de nossos maiores programas em todo o mundo. Nossas equipes oferecem assistência médica básica e especializada e respondem a emergências e surtos que afetam comunidades isoladas, deslocados internos e refugiados sudaneses. As equipes de MSF continuam se preparando para a pandemia da COVID-19 e trabalhando em colaboração com o Ministério da Saúde.

 

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