Siga em frente para melhorar: cuidados pós-operatórios em Camarões

Está em teste um conjunto de doze exercícios simples para ajudar os pacientes a recuperarem sua independência

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No hospital regional de Maroua, na região extremo norte de Camarões, Médicos Sem Fronteiras (MSF) apoia o Ministério da Saúde no tratamento de pacientes com fraturas complicadas, tecidos moles e infecções abdominais graves ou queimaduras. Complementando os cuidados médicos cirúrgicos e de emergência, uma equipe de fisioterapeutas, psicólogos e promotores de saúde apoia os pacientes na recuperação e no retorno à vida cotidiana. Como parte de um projeto de pesquisa operacional, a Humanity & Inclusion (HI), MSF e o Instituto Karolinska estão testando uma nova ferramenta de avaliação de fisioterapia para ajudar os pacientes a recuperarem a independência. 
 
Damien* cuidadosamente posiciona suas muletas na escada abaixo dele, depois move a perna esquerda para o próximo degrau e equilibra seu peso. É apenas a segunda vez que o homem de 35 anos sai da cama depois que a perna direita teve de ser amputada há duas semanas devido a uma infecção por gangrena. “Preciso limpar e curar regularmente a ferida e ainda sinto muita dor, mas sei que preciso me mover o máximo possível para melhorar”, disse ele, completando seu exercício de fisioterapia nas escadas curtas. 
 
Damien é um dos quase 100 pacientes que precisam de atenção médica urgente, cirurgia ou tratamento de feridas no hospital regional de Maroua, na região norte de Camarões. O hospital oferece atendimento abrangente ao trauma, maternidade totalmente equipada, atendimento pediátrico e medicina intensiva. MSF apoia o Ministério da Saúde mantendo o bloco operatório para cirurgia de emergência e prestando atendimento pós-operatório.
 
“Recebemos muitos pacientes com lesões graves, como fraturas de membros ou lesões cerebrais de acidentes de trânsito ou violência, mas também tratamos vítimas com queimaduras, lesões abdominais ou infecções como fasciíte necrosante”, explicou o médico de MSF Abba Madam Abakouira. A equipe médica de MSF no hospital realiza cirurgias que salvam vidas, trata fraturas complicadas, feridas infectadas e oferece uma gama de serviços de reabilitação, incluindo fisioterapia e apoio psicossocial. 
 
Para muitos pacientes em Maroua, lesões ou infecções complicadas resultam em longas internações, tornando as atividades de reabilitação, regulares e iniciadas o quanto antes, particularmente importantes. Pacientes acamados ou imobilizados por muito tempo correm o risco de desenvolver rigidez severa e perda muscular, infecções no peito ou escaras e dificultam o retorno ao trabalho.
 
Duas a três equipes de fisioterapia trabalham no hospital, oferecendo exercícios personalizados e motivando os pacientes a se moverem o mais cedo possível. O trabalho deles é desafiador, pois o espaço para realizar os exercícios no hospital é muito limitado e muitos pacientes relutam em se mover devido à fadiga, dor, medo ou falta de informações. 
A psicóloga de MSF Raelle Miamekongo Ermione ajuda a resolver esses problemas motivacionais com os pacientes. “Para nossos pacientes mais jovens, organizamos atividades diárias como uma dança infantil ou uma noite de filmes de animação para tirá-los da cama de uma maneira divertida”, disse ela. Para os adultos, a movimentação assim que possível depende de melhores informações do paciente, motivação pessoal e ajuda de familiares ou membros da comunidade. 
 
“Minha perna dói muito e preciso de alguém para me ajudar a sair da cama e andar com o andador”, disse Mary *, cuja perna direita está muito inchada devido à fasciíte necrosante, uma infecção por bactérias que comem carne. John*, que fraturou o pé e a perna em um acidente de trânsito, colocou um fixador externo no lugar: um conjunto de parafusos de metal segurando o osso no lugar e barras de carbono estabilizando-o na parte externa do pé. “Achei que seria melhor não mexer demais os dedos dos pés ou a parte superior da perna até o cirurgião remover o fixador e não estava totalmente ciente da importância desses pequenos movimentos”, observou ele. 
 
Para pacientes como Damien, Mary e John, a equipe de reabilitação em Maroua atualmente está testando uma nova ferramenta de avaliação e tratamento de pacientes. A Medida de Independência de Atividade para Pacientes após Trauma (MIA-T) é um conjunto de 12 exercícios simples da vida diária. “Pedimos aos pacientes que andem uma curta distância, agarrem objetos pequenos ou se virem na cama, para ver se usam algum auxílio ou precisam de assistência humana”, explicou o fisioterapeuta Moulou Talba. A pontuação dessas atividades ajuda a entender quão independentes estão os pacientes, a planejar o curso do tratamento e a comunicar o progresso a colegas e pacientes.
 
Ao mesmo tempo, a MIA-T é uma ferramenta de coleta de dados e parte de um projeto internacional de pesquisa operacional liderado por HI, MSF e pelo Instituto Karolinska, com locais de estudo em Burundi, Camarões, República Centro-Africana e Gaza. “Nosso objetivo é entender melhor como os pacientes se recuperam após o trauma e explorar fatores que apoiam ou dificultam os pacientes a recuperar a independência”, disse Bérangère Gohy, coordenadora de pesquisa e líder de projeto da HI. “Apenas evidências muito limitadas sobre reabilitação precoce ou resultados de tratamento estão disponíveis em contextos humanitários e esperamos que a MIA-T melhore significativamente o monitoramento e os relatórios de nossos próprios projetos e parceiros”, acrescentou. 
 
No hospital regional de Maroua, a equipe de fisioterapia está validando a MIA-T com o primeiro grupo de 50 pacientes. Imediatamente depois, 170 pacientes serão inscritos para um acompanhamento de seis meses usando a MIA-T. “Precisamos garantir que a pontuação funcione em diferentes contextos e configurações, de Camarões a Gaza, para que os pacientes possam entender a reabilitação adequada”, explicou Bérangère.
 
A importância da movimentação precoce também é uma mensagem fundamental para os pacientes e suas famílias e será incluída nas atividades de promoção da saúde no hospital. “Envolvemos os pacientes e seus cuidadores em diversos tópicos importantes sobre saúde e organizamos várias sessões de informação e debate em grupo todos os dias”, disse Urbain Tchoucnoba, coordenador de promoção da saúde do hospital.
 
“A reabilitação bem-sucedida exige que cirurgiões, médicos, equipe de enfermagem, mas também especialistas em saúde mental, fisioterapeutas, promotores de saúde e, principalmente, os pacientes e seus cuidadores trabalhem juntos”, disse Moulou Talba. Embora a MIA-T facilite o trabalho e a comunicação dessa equipe, as evidências geradas prometem melhorar o atendimento ao trauma em contextos humanitários no longo prazo. 
 
* Os nomes dos participantes foram alterados para proteger a privacidade do paciente.
 
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