Sem atenção internacional, situação de migrantes e refugiados se deteriora na Líbia

A despeito de violações, países europeus financiam governo local para que detenha fluxo migratório

Sem atenção internacional, situação de migrantes e refugiados se deteriora na Líbia

Longe dos holofotes da mídia mundial, os conflitos na Líbia se intensificaram em 2019, deixando um saldo de milhares de mortos e feridos. Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem sido testemunha das condições desumanas a que são submetidos migrantes de várias partes do mundo que estão em centros de detenção ou que tentam chegar a outros países em embarcações precárias a partir da costa da Líbia.

Equipes da organização médico-humanitária trabalham nos centros de detenção e no atendimento a pessoas que são levadas de volta ao país pela Guarda Costeira da Líbia depois de tentativas frustradas de seguir de barco para a Europa.  MSF também tem atuado em áreas de conflito e na assistência a populações que estão fora dos centros de detenção, muitas vezes submetidas a condições precárias de segurança e alojamento.

“Em fevereiro, a Guarda Costeira da Líbia capturou o bote no qual eu tentava escapar da Líbia. Depois de detido, fui levado ao centro de detenção de Souk al Khamis, na cidade de Khoms”, relata Ahmed (nome fictício), um rapaz de 21 anos de Mogadishu, da Somália.

Após ser registrado por funcionários do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), ele passou a aguardar a transferência para Tripoli. Dias depois, os guardas da prisão pediram que ele e outras pessoas entrassem em dois ônibus. Mas em vez de se dirigir a Trípoli, o veículo foi adentrando cada vez mais o deserto. Ahmed temeu estar prestes a ser vendido a traficantes, e os temores se confirmaram quando viu veículos com homens armados se aproximando.

“Todos decidimos escapar de surpresa, mesmo se tivéssemos que morrer. Pelo menos duas pessoas morreram baleadas”, contou. Depois, conseguiu fugir para um vilarejo, onde foi capturado pelas autoridades líbias e enviado novamente a um centro de detenção. Profissionais de MSF trataram-no com tuberculose, uma doença comum entre os detidos.

A Líbia vive uma situação de caos e instabilidade desde a queda do governo de Muamar Gadafi, em outubro de 2011. A guerra civil no país deixou neste ano mais de 2 mil mortos, pelo menos 200 deles civis, atingidos pelo conflito na região da capital, Trípoli. Os combates se intensificaram a partir de abril deste ano e já causaram o deslocamento forçado de 146 mil pessoas, de acordo com dados da ONU.

A reação da Europa em relação a esta imensa crise humanitária está sendo reforçar o financiamento da política de retenção de migrantes e solicitantes de asilo em solo líbio. A União Europeia financia a Guarda Costeira da Líbia, que trabalha na interceptação de embarcações que saem da costa do país na tentativa de chegar à Europa navegando pelo Mediterrâneo Central.

As pessoas resgatadas no mar são devolvidas ao território líbio – de janeiro a novembro deste ano foram cerca de 9 mil pessoas, o que contraria o direito internacional. A Líbia não é considerada um lugar seguro pela ONU e pela própria Comissão Europeia. O número de pessoas devolvidas contra a vontade à Líbia contrasta com a morosidade na evacuação de pessoas do país rumo a um lugar seguro. Desde o início do ano, foram pouco mais de 2,4 mil.

Ao mesmo tempo, a Europa vem consistentemente obstruindo a ação de navios de busca e resgate que atuam na região do Mediterrâneo Central socorrendo a migrantes que tentam cruzar o oceano em embarcações precárias.

No ano passado, MSF teve de encerrar as atividades de uma destas embarcações, o Aquarius, depois de ações administrativas, burocráticas e judiciais de países da EU para obstruir o trabalho. Em julho de 2019, MSF e a organização SOS Mediterranee retomaram o trabalho de busca e resgate na região com o Ocean Viking. O navio está em operação, mas vem enfrentando reiteradamente demora na definição de um porto de desembarque para os imigrantes resgatados no mar.

No caso dos migrantes capturados pela Guarda Costeira líbia, alguns são conduzidos a centros de detenção, submetidos a condições de vida extremamente precárias, maus-tratos e torturas. Mais recentemente, os migrantes têm sido “liberados”, mas como não existe nenhuma estrutura de acolhimento, eles ficam sujeitos a serem sequestrados ou submetidos a trabalhos forçados. Muitos preferem insistir nas tentativas de deixar a Líbia em embarcações precárias, mesmo arriscando suas vidas, a permanecer no país. Isso mostra o quão ineficiente tem sido a política dos países europeus em relação à Líbia, incapaz de impedir que pessoas simplesmente tentem escapar de condições de vida que são simplesmente insuportáveis.

 

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