Refugiados do Sudão do Sul são forçados a fugir para a República Democrática do Congo

Para sobreviver, mais de 33 mil sul-sudaneses foram forçados a buscar refúgio na RDC, país que também enfrenta violência extrema

Refugiados sul-sudaneses aguardam na fila para se registrar no Comitê Nacional de Refugiados da República Democrática do Congo. Julho de 2025. © Sam Bradpiece/MSF

Com a intensificação da violência no Sudão do Sul, mais de 33 mil refugiados fugiram para o norte da República Democrática do Congo (RDC)*. Em maio, Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançou uma resposta de emergência para oferecer cuidados médicos vitais a uma comunidade em crise.

Blassing Halima, refugiada sul-sudanesa na RDC. Julho de 2025 ©Sam Bradpiece/MSF

“Vimos pessoas atirando com armas. Depois vimos aviões atirando nas pessoas do céu. Aí começaram a matar e a roubar tudo. Levaram meu marido. E é por isso que fugimos”, relatou Blessing Halima, uma mulher refugiada de 30 anos de idade, que vivia no condado de Morobo, no Sudão do Sul, e que recentemente foi forçada a fugir para Adi, no norte da RDC, com seus filhos.

Blessing não está sozinha. Em abril, Atay Rose caminhou por vários dias pela mata, saindo de Panyume, no Sudão do Sul, até chegar em Adi. “Se usássemos a estrada principal, seríamos mortos. Eles estupram as mulheres”, relata ela.

Não sei se posso voltar. Ainda há saques. Ainda há estupros. Ainda há assassinatos de mulheres e crianças. É disso que mais temos medo.”

– Atay Rose, refugiada sul-sudanesa

O Sudão do Sul vive o maior aumento da violência desde a assinatura do acordo de paz e o fim da guerra civil, em 2018. A crise se intensificou em fevereiro de 2025, quando confrontos eclodiram entre forças do governo e grupos armados, conhecidos como Exército Branco (White Army, no termo em inglês), no estado de Alto Nilo, no nordeste do país.

A violência rapidamente se espalhou para outras regiões, envolvendo grupos armados no estado de Equatória Central, que faz fronteira com a RDC ao sul. Houve inúmeras mortes de civis em todo o país — mais de 730 entre janeiro e março desde ano.

Entre os meses de janeiro e junho, estima-se que 300 mil pessoas foram deslocadas a força pela violência, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Deste total, 125 mil fugiram para países vizinhos, como a RDC, Sudão, Etiópia e Uganda.

A instabilidade levou ao colapso total de serviços públicos já frágeis, e MSF foi forçada a fechar dois hospitais e reduzir operações no país diante de ataques a unidades de saúde.

• Entenda o que aconteceu: Após segundo sequestro, MSF suspende atividades em dois condados

A maioria das pessoas que chega à RDC foi forçada a fugir do condado de Morobo, no estado de Equatória Central, que se tornou altamente instável devido ao aumento dos conflitos neste ano. Há poucos dias, MSF foi obrigada a suspender todas as atividades no condado, incluindo serviços em acampamentos de deslocados internos, assim como no condado vizinho, em Yei River. A decisão foi tomada após o sequestro de profissionais de saúde, incluindo um profissional da equipe de MSF.

 

Chegando sem nada

A província de Ituri, por onde a maioria dos refugiados sul-sudaneses cruza a fronteira, enfrenta há décadas conflitos marcados pela violência e pela ampla presença de grupos armados. Mesmo antes da chegada dos refugiados, os sistemas de saúde já estavam sob forte pressão e eram praticamente inexistentes na região.

Muitas pessoas refugiadas chegam com poucos ou nenhum pertence, tendo fugido às pressas para salvar suas vidas.

“Estamos sofrendo”, lamenta Jacob Justin, de 24 anos de idade, que viajou sozinho com apenas a roupa do corpo. “Não temos escolas, nem hospitais e nem acesso a água potável”, completa o jovem.

Viola Kani, refugiada do Sudão do Sul. Julho de 2025 ©Sam Bradpiece/MSF

Viola Kani atravessou a fronteira em maio com o irmão e os filhos. “Fugimos sem nada. Eles levaram nossa comida e nossas roupas. Agora estamos morrendo de fome e não temos nada para dormir”, contou.

Seis por cento das crianças entre 6 meses de vida e 4 anos de idade atendidas pelas equipes de MSF perto da fronteira sofrem de desnutrição grave, o que representa um grave problema de saúde pública, segundo o médico Léonard Wabingwa, coordenador de atividades médicas de MSF em Adi.

 

Risco de surtos de doenças

Já foram registrados casos de sarampo entre a população refugiada na RDC, e uma campanha de vacinação em massa apoiada por MSF, com meta de imunizar 62 mil crianças, está prevista para começar em agosto para reduzir o risco de um possível surto. Em paralelo, outra campanha buscará fornecer vacinas de rotina para mais 520 bebês e 310 gestantes.

Profissional de MSF registra dados de pacientes em clínica móvel em Ituri, RDC. Malária, infecções respiratórias e doenças sexualmente transmissíveis são as principais doenças. Julho de 2025. © Sam Bradpiece/MSF

“A instabilidade no Sudão do Sul interrompeu as vacinações de rotina. Quando você está fugindo para salvar a sua vida, é difícil comparecer a uma consulta médica”, disse Félicien Lwiteo, coordenador do projeto de MSF em Adi. “Há um risco real de surtos de doenças e é vital que ajamos rapidamente.”

Médicos Sem Fronteiras também trabalha em projetos de infraestrutura na região. Instalamos seis pontos de distribuição de água e 200 latrinas e chuveiros, com previsão de conclusão até meados de agosto. Além disso, quase 6 mil kits de itens de primeira necessidade (com redes mosquiteiras, baldes, sabão e assentos sanitários portáteis) serão distribuídos a famílias em situação de vulnerabilidade.

 

Necessidades crescentes, apoio limitado

Com mais refugiados chegando diariamente à RDC, a capacidade de MSF para atender às demandas está sob pressão.

“Há pouquíssimas organizações internacionais presentes e nenhuma oferecendo a mesma amplitude de serviços médicos que MSF. Sem o apoio de outros parceiros, há o risco de mais vidas serem perdidas”, afirmou Asiyat Magomedova, coordenadora-geral dos projetos de MSF na região.

Pessoas refugiadas do Sudão do Sul aguardam em fila na RDC para realizar registro e receber kits de MSF com itens essenciais. Julho de 2025. © Sam Bradpiece/MSF

No Sudão do Sul, a situação permanece “crítica”, segundo o médico Ferdinand Atte, coordenador-geral de MSF no país.

“É fundamental garantir acesso seguro e irrestrito às populações em necessidade e proteger civis e infraestrutura civil, incluindo unidades de saúde, antes que possamos considerar a retomada das nossas atividades. Embora estejamos profundamente comprometidos em fornecer cuidados a quem precisa, não podemos manter nossa equipe trabalhando em um ambiente inseguro”, concluiu Ferninand.

Para os refugiados sul-sudaneses agora vivendo na RDC, há pouca esperança de retorno para suas casas em um futuro próximo.

Se voltarmos, significa que vamos morrer. Como podemos voltar para lá?”

– Viola Kani, refugiada sul-sudanesa que está na RDC há dois meses com sua família

 

Resposta de MSF

A resposta de emergência lançada por MSF em maio incluiu a implantação de duas clínicas móveis e seis centros de atendimento comunitário. Em menos de dois meses, mais de 3 mil consultas médicas foram realizadas — uma média semanal de mais de 370 consultas, que continua a aumentar.

A malária representa mais da metade de todos os casos, seguida por infecções do trato respiratório e gastroenterite aguda. MSF realiza exames de desnutrição em crianças menores de 5 anos e oferece tratamento com alimentos terapêuticos.

“Também oferecemos atendimento a vários sobreviventes de violência sexual, incluindo alguns com apenas 12 anos”, disse Léonard Wabingwa.

*Informação do Conselho Nacional de Refugiados da RDC.

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