Quênia: superando o preconceito e vencendo a tuberculose

Conheça a história de Edwin, jovem que enfrentou a doença e superou o preconceito familiar no interior do país

Quênia: superando o preconceito e vencendo a tuberculose

Edwin Ochieng’ Ramogi tem o corpo frágil de quem terminou o doloroso tratamento contra tuberculose há apenas duas semanas. Aos 18 anos, aparenta 12. De uniforme, prestes a ir para a escola, Edwin conversa numa clínica do Ministério da Saúde do Quênia em Ndhiwa, subcondado de Homa Bay, nas proximidades do Lago Victória. A unidade é apoiada pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), que oferece suporte técnico.

O suéter verde escuro que ele veste está muito bem cuidado, o tom ainda é forte, como se novo fosse, mas um buraco fica evidente na calça cinza quando ele se arruma para tirar fotos no jardim. A roupa poderia ser vista aqui como uma representação da vida de Edwin. Toda luta deixa marcas.

Nascido numa região com mais de 20% de prevalência de HIV, ele perdeu a mãe em 2009. Na época, moravam na capital do país, Nairóbi, e ele voltou Ndhiwa, onde nasceu, para viver com os avós maternos. Edwin sentia-se mal com frequência, sofria com dores de cabeça e sede intensa. No ano seguinte, acabou parando num hospital, onde fez o teste de HIV. O avô não queria revelar o resultado, então ele tentou descobrir por conta própria, mexendo nos papeis. Não compreendeu o resultado do exame. A esta altura, já tomava antirretrovirais. Sem receber explicações sobre o tratamento, passou a pressionar com perguntas sobre seu estado de saúde. “Por que escondeu de mim? Eu queria tomar os remédios”, reclamou logo após obter a confirmação do avô.

Quando se descobriu HIV positivo, Edwin estava na 7ª série do ciclo correspondente ao ensino fundamental no Brasil. Uma época mais simples, na sua avaliação. As coisas foram se complicando à medida que ele crescia. No Quênia, os alunos dormem na instituição de ensino quando cursam a escola secundária, equivalente ao ensino médio brasileiro. Um dia, os colegas com quem dividia o quarto começaram a questioná-lo sobre o barulho dos potes de comprimidos.

Queriam saber o que ele tomava, mas Edwin não estava disposto a revelar. “Não me incomodem. Isso é uma questão privada”, contestou. Mas no segundo ano do colégio, em 2015, um dos meninos violou a caixa na qual ele guardava os medicamentos e descobriu que o que ele tomava era antirretroviral. “Perdi a coragem”, lembra.

De acordo com Edwin, o excesso de exposição e o estigma na escola levam muitos jovens a abandonar o tratamento que permite que vivam uma vida saudável. “Passei a tomar os remédios só quando me sentia mal. Fui ficando fraco e o diretor da escola me obrigou a ir para o hospital. Fiquei com medo porque os médicos iam descobrir que eu não estava tomando a medicação direito. Fiz o teste para tuberculose e deu positivo. Foi muito difícil porque tive de tomar antirretroviral mais os remédios para tuberculose”, relata, destacando que as pílulas para combater esta doença são muito grandes e cheiram mal.

Edwin sentiu-se sozinho e discriminado pela avó materna. Passou também a não seguir corretamente o tratamento para tuberculose. Foi levado pelo avô para a clínica em Ndhiwa, mas estava tão fraco que o mandaram para o hospital em Homa Bay, também apoiado por MSF. De lá, seguiu para a casa onde a mãe passou a viver quando se casou, numa outra região. Dois dias depois, sonhou com o pai e só então se deu conta de onde estava.

A avó paterna o obrigou a tomar a medicação. Edwin recuperou forças e a capacidade de ir ao banheiro sozinho. Decidiu voltar para Ndhiwa e sua aparência surpreendeu os avós. “Eles pensaram que eu ia morrer”, diz.

Segundo Edwin, a retomada do tratamento na clínica foi resultado de muita conversa com a equipe de saúde, que o fez perceber que o que estava em jogo não eram os avós e sua relação com eles, mas sua própria vida; que ele precisava assumir o comando. Foi então que retomou o tratamento de tuberculose e superou a doença.

Edwin frequenta um grupo de apoio a adolescentes com HIV, acompanhado por profissionais capacitados por MSF. Lá, discutem questões relevantes para a idade, como falar sobre a condição crônica com parceiros sexuais, o uso de preservativo, os impactos de uma gravidez na adolescência e planejamento familiar.

Agora, a direção da escola sabe que ele é HIV positivo e guarda os medicamentos em local reservado. Se ele eventualmente esquece de tomar os comprimidos, um funcionário o avisa. Quando precisa ir à clínica, mas não tem dinheiro para o transporte, eles o ajudam sem fazer muitas perguntas. Não é o único aluno com esta condição crônica e se sente à vontade porque seus amigos não ligam para o fato de ele viver com HIV. Seus professores o apoiam e sabem como o ajudar caso ele sinta efeitos colaterais da medicação.

O apoio da equipe de saúde, de outros adolescentes que vivem com o HIV e dos professores fortaleceu o ânimo e a mente sonhadora de Edwin. Sua voz ainda é rouca por causa da tuberculose, mas muito vibrante, como de quem reage bravamente. Ele revelou seu gosto pela leitura; prefere os romances. Identifica-se com o médico e escritor americano Ben Carson e explicou por que: o autor se sentia estúpido na escola, mas, encorajado pelos pais, realizou o sonho de ser neurocirurgião. Ao revelar seu próprio sonho, Edwin sorri e seus olhos brilham. “Quero ser jornalista e viajar o mundo fazendo investigações.”

 

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