Preços de medicamentos para aids nos países em desenvolvimento ainda preocupam

Guia de preços publicado por MSF revela que os preços de medicamentos de segunda escolha e de formulações pediátricas são até 12 vezes maiores do que os de antiretrovirais de primeira escolha. E cita como exemplo o gasto do Brasil com medicamentos novos.

Uma nova edição de um guia de preços publicado hoje por Médicos Sem Fronteiras(1) revela que, enquanto a produção de genéricos reduziu os preços dos antiretrovirais de primeira escolha de 10 mil dólares, em 2000, para apenas 150 dólares por paciente/ano em 2005, os preços de antiretrovirais mais recentes (de segunda escolha) e de formulações pediátricas são até 12 vezes maiores. No entanto, o acesso a medicamentos mais novos é cada vez mais importante, tendo em vista que um número crescente de pessoas com HIV/aids atualmente sob tratamento com antiretrovirais vai inevitavelmente desenvolver resistência aos medicamentos de primeira escolha e terá que passar a usar as terapias recentes mais caras.

Atualmente, MSF oferece tratamento com antiretrovirais para aproximadamente 35 mil pacientes em cerca de 30 países. Aproximadamente 70% dos pacientes tratados nos projetos de MSF recebem uma combinação de dose fixa de três medicamentos – três em um – recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como tratamento de primeira escolha.

“Mas já estamos começando a enfrentar a 'crise de segunda escolha' que programas de aids mais novos podem não enfrentar por muitos anos", disse Dr. Felipe Garcia de La Vega, especialista em Aids da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF. "Embora nossos resultados clínicos sejam bons até o momento – a taxa média de sobrevivência nos nossos projetos é de 80% após 12 meses de tratamento – alguns dos nossos programas já estão funcionando por mais de cinco anos e estamos tendo que começar a mudar alguns dos nossos pacientes para os tratamentos de segunda escolha, já que eles apresentaram resistência aos medicamentos de primeira escolha".

“Hoje, MSF paga menos do que 250 dólares por paciente/ano para os tratamentos de primeira escolha pré-qualificados pela OMS, produzidos por empresas indianas de genéricos. Isto só vem sendo possível porque não havia patentes de medicamentos em países produtores tais como a Índia e o Brasil, e porque houve uma concorrência acirrada dos genéricos", disse Fernando Pascual, farmacêutico e um dos autores do relatório de MSF. "Mas quando trocamos para medicamentos de segunda escolha, os preços sobem de 6 a 12 vezes mais. Tratar uma criança pode ser 4 vezes mais caro do que tratar um adulto", disse Pascual.

No dia primeiro de janeiro de 2005, o Acordo da Organização Mundial do Comércio sobre a Propriedade Intelectual Relacionada ao Comércio TRIPS/ADPIC foi implementado na Índia, uma das principais fontes de antiretrovirais genéricos. A Índia deve, a partir de agora, reconhecer patentes de produtos farmacêuticos. Isto pode fazer com que tenhamos apenas um único produtor – o detentor da patente – para os medicamentos mais novos. Na ausência de concorrência, este único fornecedor pode estabelecer um preço de monopólio.

Nos projetos de aids de MSF, por exemplo, o número de pacientes tomando Lopinavir/Ritonavir (Kaletra, nome fantasia) e outros antiretrovirais de segunda escolha é pequeno, mas a organização paga preços exorbitantes pelo medicamento. "Na Guatemala, onde MSF oferece antiretrovirais para 1.700 pessoas com HIV/aids, a Abbott cobra 2.66 dólares por cápsula", disse Fernando Pascual. "Embora MSF esteja tratando apenas 11 pacientes com lopinavir/ritonavir, pagamos mais que 5,8 mil dólares por paciente/ano apenas por este medicamento".

De acordo com o relatório de MSF, o atual sistema de preços baseado no desconto voluntário oferecido pelas empresas aos países em desenvolvimento não é suficiente para garantir o acesso a medicamentos a preços justos, agora ou no futuro. O problema com este mecanismo, conhecido como 'preços diferenciados', cai em três categorias. Primeiro: alguns medicamentos de fonte única (um só produtor) são simplesmente muito caros. Por exemplo, o preço diferenciado para o Abacavir anunciado pela GlaxoSmithKline é mais do que 800 dólares por paciente/ano em países em desenvolvimento. Segundo: os preços anunciados pelas indústrias farmacêuticas não estão disponíveis de fato porque as indústrias não registraram ou não estão comercializando seus medicamentos nos países. Este é o caso não apenas para certos produtores originais em Moçambique e Camboja, mas também para alguns genéricos na América Latina. Terceiro: algumas empresas não oferecem descontos a países de renda média.

A OMS estima que dos 6.5 milhões de pessoas necessitando hoje de antiretrovirais em países em desenvolvimento, cerca de um milhão têm acesso aos medicamentos. A maioria recebe atualmente tratamentos de primeira escolha. Mas muitos precisarão ter acesso a medicamentos de segunda escolha nos próximos anos. As conseqüências já podem ser percebidas em países como o Brasil, que vem oferecendo tratamento com antiretrovirais aos seus pacientes de aids desde 1996. O país gasta hoje 63% do orçamento para compra de medicamentos para aids com três produtos (Lopinavir/Ritonavir da Abbott, Tenofovir da Gilead, e Efavirenz da Merck).

“É preciso resolver com urgência o problema dos gastos com aids que estarão altíssimos nos próximos anos, e quem irá atender as necessidades dos pacientes", disse Dr. Garcia de La Vega. "Os países do G8 e outros países doadores estão discutindo o acesso universal de antiretrovirais, mas este acesso permanecerá um objetivo impossível, caso os preços continuem subindo. É fundamental que os governos e as organizações internacionais, como a OMS, tomem e apóiem medidas imediatas – tais como o licenciamento compulsório – permitindo que os países produzam ou importem medicamentos genéricos mais baratos".

(1) “Untangling the web of price reductions: a pricing guide for the purchase of ARVs in developing countries”. 8th edition. MSF, 28 de junho de 2005.

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