Pneumonia: tratando crianças que sofrem com a doença

Em entrevista, o dr. Alan Gonzalez, de MSF, fala sobre sua experiência atendendo crianças com pneumonia em diferentes países

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O dr. Alan Gonzalez é do México e se juntou à organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em 2009. Desde então, participou de 17 projetos com MSF, incluindo países como Camarões, República Centro-Africana (RCA), República Democrática do Congo (RDC), Haiti, Iraque, Costa do Marfim, Quênia, Líbia, Síria e Tanzânia. Nesta entrevista, ele descreve suas experiências tratando crianças com pneumonia.

Muitos médicos parecem ter dificuldade ao tentar lembrar de pacientes específicos que sofrem de pneumonia. Por que isso acontece?
Eu também demorei a lembrar de uma história específica. Isso ocorre porque a maioria das crianças que atendemos nas clínicas de MSF tem pneumonia, malária ou desnutrição. Muitas vezes, elas são afetadas por duas ou três dessas doenças ao mesmo tempo. Eu tento me lembrar de todos os pacientes que atendi, mas isso é muito difícil quando há tantos deles com sintomas semelhantes.

Muitas crianças que não recebem cuidados médicos morrem de pneumonia – quase um milhão de crianças por ano, na realidade. As crianças que são tratadas se recuperam?
Elas podem melhorar se estiverem sob nossos cuidados, mas a questão vai além disso: por que a pneumonia afeta tantas crianças? Isso é revoltante, visto que temos os meios de prevenir que elas contraiam a doença. A vacina contra a pneumonia existe.

Mas nem todas as crianças têm acesso à vacina…
Imagino que essa seja a razão pela qual vejo tanta incidência de pneumonia em projetos de MSF.

Pode contar uma de suas experiências?
Lembro que quando estava trabalhando em um projeto de MSF em Abidjan, na Costa do Marfim, tratei um menino que estava em condições extremas. Eu não o conheci quando ele estava com pneumonia; eu o conheci quando ele havia desenvolvido um pneumotórax – uma condição na qual o ar escapa para o peito e causa o colapso do pulmão. Ao mesmo tempo em que é raro que alguém com pneumonia desenvolva pneumotórax, a doença pode ser uma das muitas causas do problema. Como a criança tinha apenas um ano e meio de idade, e baseado em seu histórico médico, concluímos que, nesse caso, a condição foi provocada por uma pneumonia grave.

Isso deve ser doloroso.
Bom, com essa condição, é extremamente difícil respirar, e era possível ver o quanto o menino sofria para conseguir ar. Primeiro, tratamos sua pneumonia, dando a ele alguns antibióticos e oxigênio. Sua infecção logo melhorou, mas ele ainda não conseguia respirar devido à ruptura em seu pulmão. Precisamos introduzir um cateter para liberar o ar da cavidade do peitoral.

Como é isso?
Uma vez que o ar sai, o pulmão pode se expandir normalmente e a respiração volta a se regularizar. É um procedimento bastante simples para médicos realizarem – eu já o fiz diversas vezes em pacientes adultos e jovens –, mas como era uma criança, tudo foi mais complicado. Pesquisamos no entorno, para ver se outros hospitais poderiam tratá-lo, mas ninguém quis fazê-lo. Finalmente, depois de alguns dias, encontramos um hospital que estava disposto a tentar. Um médico da equipe deles tinha muita experiência com o procedimento. Então, mandamos o menino para esse hospital, onde eles puderam colocar um cateter que eliminaria todo o excesso de ar. Ele teve de ficar ali por alguns dias, e nós sentimos que ele estava em boas mãos.

Ele conseguiu se recuperar?
Sim! Ele veio nos visitar depois de deixar o hospital e ficamos aliviados em ver o quanto ele estava bem. Porém, é preciso dizer que nós tivemos muita sorte. Desde que fomos alocados em Abidjan, a maior cidade da Costa do Marfim, tivemos a sorte de ter uma instalação de saúde por perto para encaminhá-lo para o tratamento necessário.

Dependendo de onde for o projeto, pode não haver alternativas?
Não. Eu trabalhei em muitos contextos, tanto com MSF como com outras organizações, em que esse não era o caso. Antes de me juntar a MSF, passei alguns anos trabalhando no sul do México com populações indígenas. Viajávamos distâncias longas para chegar a localidades remotas, e trabalhávamos com comunidades que só recebiam um médico duas vezes ao ano. Basicamente, isso significa que, nas duas vezes, nós fomos até lá para estruturar as clínicas, já que não havia instalações de saúde regulares nas redondezas.

Como isso afetou a saúde dessas comunidades?
Bom, de alguma maneira, as crianças que eu conheci no sul do México vieram à nossa clínica com sintomas muito semelhantes aos das crianças que eu conheci na Costa do Marfim – graves quadros de pneumonia, desnutrição e malária. O que me assusta agora é ver como as consequências podem ser diferentes para cada criança, dependendo do lugar onde ela vive.

Em países como os Estados Unidos, hoje em dia, as crianças não costumam contrair pneumonia porque são vacinadas. Porém, a pneumonia continua sendo a maior causadora de mortes infantis no mundo. É uma diferença drástica.
Por isso campanhas e programas regulares de vacinação são tão importantes. No entanto, os países devem poder arcar com os custos da vacina, e a contra pneumonia é uma das mais caras de todas.

Até pouco tempo, até MSF tinha que pagar preços absurdos por essa vacina. No fim de 2016, a Pfizer e a GSK anunciaram que venderiam a vacina para organizações humanitárias usarem em emergências a 9 dólares por criança, o que representou uma redução significativa em comparação ao que tínhamos que pagar anteriormente…
Essas são boas notícias. Desse modo, poderemos proteger mais crianças que se encontram em contextos de conflitos, onde MSF trabalha.

Na sua opinião, a Pfizer e a GSK deveriam diminuir o preço da vacina contra pneumonia para todos os países em desenvolvimento também?
Claro! O México melhorou bastante com o passar dos anos, mas ainda não é um país rico. Felizmente, pudemos introduzir a vacina contra pneumonia em nossa agenda regular de imunização infantil, mas ainda há outros países de baixa ou média renda que não puderam fazê-lo devido ao alto custo da vacina.
 

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