Pessoas afetadas pelos conflitos na República Democrática do Congo relatam necessidades urgentes: “Não temos o suficiente para comer”

Mais de 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas em Kivu do Norte.

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Ala pediátrica de hospital apoiado por MSF em Kayna. Foto: MSF

Nos últimos 12 meses, mais de 1 milhão de pessoas na província de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo (RDC), fugiram de suas casas para escapar dos conflitos ligados ao ressurgimento do grupo armado M23. Essa crise agrava uma situação humanitária já crítica na província, onde se estima que 2,5 milhões de pessoas estejam deslocadas no total.

Nos acampamentos informais ao redor da cidade de Goma, as condições são precárias e colocam a saúde das pessoas em risco: abrigos inadequados e superlotados, falta de água potável e de latrinas criam condições ideais para a propagação de doenças. As necessidades das pessoas forçadas a se deslocar são enormes e urgentes.

Nos últimos meses, o sarampo e o cólera eclodiram em áreas ao norte de Goma. A situação sanitária também se tornou crítica em Bulengo e Lushagala, e casos suspeitos das doenças têm se multiplicado nas últimas semanas.

Equipe de MSF em hospital em Kayna. Foto: MSF

Reunimos aqui depoimentos de pessoas afetadas pelos conflitos na RDC e de profissionais de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que têm testemunhado a grave crise humanitária no país.

Nsabimana Ngurinze, forçado a fugir e a se separar da família

“Caminhamos até a cidade de Kibirizi. As crianças estavam exaustas e doentes. Minha mulher estava grávida, mas por causa do cansaço ela abortou. A guerra nos alcançou em Kibirizi. Quando ouvimos o som de balas sendo disparadas na cidade, fugimos novamente. Minha esposa e meus filhos foram em uma direção e eu fui em outra. Eu não sei onde eles estão”, relata Nsabimana Ngurinze.

Ele encontrou refúgio em uma igreja na cidade de Kanyabayonga, onde equipes de MSF apoiam um centro de saúde.

 

Baseme Kanyenyebi: “Não temos o suficiente para comer”

“Vi que meu filho havia perdido todas as suas forças. Para que ele não morresse, eu vim ao hospital em busca de tratamento. Ele teve diarreia e estava vomitando. Eu disse a mim mesmo: ‘Eu tenho que trazê-lo aqui’”, conta Baseme Kanyenyebi.

“No acampamento, estamos sofrendo. Primeiro, porque não há água, mas também porque não há latrinas. Não há comida, não temos o suficiente para comer e nem sequer temos um teto sobre nossas cabeças. Quando chove, ficamos encharcados.”

 

Agnes Otema e a busca pela saúde do filho

“Quando você chega ao acampamento de Bulengo, você vê muitas crianças no hospital. Há duas tendas com crianças que estão sofrendo com sarampo”, diz Agnes Otema, que foi deslocada pelo conflito.

“Meu filho foi hospitalizado no campo de Bulengo. Eles o trataram lá, mas, infelizmente, sua vida estava em perigo. Meu filho não conseguia respirar, então o trouxeram para o hospital em Kyeshero.”

 

Prince Djuma Sarai, profissional de MSF, relata necessidades urgentes

“Vemos a disparidade entre o esforço de ajuda humanitária e a extensão das necessidades nos campos. Um exemplo é o acampamento Lushagala, onde mais de 73 mil pessoas estão abrigadas. Até agora, tivemos 60 metros cúbicos de água. Significa que as necessidades são enormes, porque se você calcular, chega a menos de um litro de água por pessoa por dia”, explica Prince Djuma Sarai, coordenador médico de emergência de MSF.

“Muitas pessoas morreram no acampamento por causa da fome. E quando morrem, não têm onde enterrar seus mortos”, diz Sarai. “O cólera é a causa mais comum de morte no acampamento. A doença surge porque as pessoas não têm acesso à água limpa ou latrinas.”

 

Padoue Kabamba Nawej, profissional de MSF, alerta sobre saúde mental

“Cada vez que atendemos um paciente, procuramos saber como está sua saúde mental. As pessoas estão abaladas porque perderam suas casas, não estão trabalhando em seus campos e, portanto, não têm nada – sem abrigo, sem comida e sem acesso a cuidados médicos. Tudo isso tem um impacto na saúde mental deles e acredito que as pessoas são muito afetadas”, diz Padoue Kabamba Nawej, consultor médico de MSF na RDC.

“Embora alguns não falem, sabemos que estão sofrendo por dentro, porque as atrocidades os afetam mental e fisicamente. Eles estão fugindo há mais de um ano, deixaram para trás seus campos e alguns de seus filhos. Algumas pessoas nem sabem onde estão seus filhos até hoje”, conclui ele.

Equipe procura suprimento em hospital apoiado por MSF em Kayna. Foto: MSF

Muitas instalações médicas em Kivu do Norte estão sem medicamentos por conta de problemas de abastecimento. Nesses lugares, acessar serviços de saúde já era difícil. Agora, é ainda mais desafiador, por causa da falta de instalações médicas e do custo dos serviços de saúde, inacessíveis para muitas pessoas na RDC na atual crise econômica.

Ao longo do ano, as equipes de MSF aumentaram seus esforços, adaptando a resposta às necessidades das pessoas deslocadas em Kivu do Norte. Ao mesmo tempo, garantimos acesso contínuo aos cuidados de saúde em nossos projetos regulares na região. Mas as necessidades estão superando em muito as capacidades de nossa equipe, que está completamente sobrecarregada. MSF apela à comunidade internacional e às autoridades que aumentem urgentemente seus esforços para atender às necessidades das pessoas na região.

 

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