Os ‘bomzhi’ – moradores de rua de Moscou

Quase 100 mil pessoas moram nas ruas de Moscou e estão tentando sobreviver a temperaturas que ficam regularmente abaixo dos 30 graus negativos. Eles são privados de abrigo e cuidados básicos; freqüentemente morrem nas ruas sem que ninguém perceba.O invern

O inverno começa oficialmente na Russia em 1º de dezembro. Na realidade, porém, já em outubro a temperatura atingiu alguns graus negativos e os primeiros corpos congelados de moradores de rua começaram a aparecer nas ruas de Moscou. Agora, com a temperatura regularmente abaixo de 30 graus negativos durante a noite, está claro que esta será mais uma estação em que os moradores de rua de Moscou morrerão nas ruas – às centenas – de frio.

Desde que o inverno começou, 319 pessoas já morreram nas ruas de Moscou. Em outubro, 41 já haviam congelado até a morte. Em novembro, outras 60 morreram. E as temperaturas de inverno ainda não haviam atingido as mais baixas. Quase todos os invernos, nos últimos 10 anos, a temperatura tem chegado a 35 graus negativos. Com o vento, a sensação térmica pode ser de 40 graus negativos.

O inverno russo é cruel e qualquer pessoa forçada a viver em situações difíceis corre perigo a cada hora do dia. Nos últimos quatro anos, 1.667 pessoas morreram nas ruas de Moscou de hipotermia. No inverno passado, um total de 430 pessoas, 90% delas moradores de rua, morreram de frio nas ruas de Moscou.

Normalmente, essas mortes provocam pouco mais do que indiferença no público geral. A maioria dos transeuntes, ou a polícia, provavelmente passará pelos corpos sem chamar uma ambulância.

Os moradores de rua são chamados de ‘bomzhi’ – um termo depreciativo que oficialmente significa “sem residência permanente”, mas que associou-se no senso comum a alcoolismo, vadiagem e criminalidade.

“As pessoas geralmente os vêem em vagões do metrô”, disse Dr. Alexei Nikoforov, coordenador médico do projeto de MSF para população de rua em Moscou. “Elas só vêem que eles estão mal-cheirosos e sujos com escabioses, desinteria, piolhos e tuberculose”.

Embora não seja mais ilegal morar nas ruas, há poucos serviços disponíveis para essas pessoas. Autoridades russas alegam que elas são apenas 2,5% da população total e que não são um problema social a ser encaminhado. Hoje, há poucas provisões oferecidas pelo Estado para os moradores de rua.

Na verdade, as autoridades ainda percebem os moradores de rua um pouco como criminosos. Normalmente, eles não recebem ajuda através das estruturas sociais e de saúde ou ainda têm seu acesso negado pelo pessoal de saúde porque são vistos como portadores de doenças infecciosas. Essa percepção errônea deriva da imagem deturpada apresentada regularmente pela mídia. Na verdade, os moradores de rua refletem a realidade da situação de saúde na população geral, onde se encontram doenças transmissíveis como tuberculose e infecções respiratórias.

Há alguns problemas de saúde específicos para os moradores de rua, tais como úlceras tróficas, ferimentos infeccionados e queimaduras devido à sua forma de vida – e muitos dos moradores de rua bebem excessivamente.

O fato de uma pessoa vir a morar na rua é muitas vezes conseqüência de circunstâncias infelizes, incluindo problemas de família, desemprego ou perda de residência ligada ao trabalho. No início e em meados da década de 90, muitas pessoas foram atingidas por uma fraude relacionada à habitação devido à rápida privatização, perdendo assim suas casas.

Uma década com os moradores de rua de Moscou

MSF começou a trabalhar em Moscou em 1992 – e começou um programa com moradores de rua em maio daquele ano. Naquela época, estimativas não-oficiais contabilizavam 30 mil moradores de rua em Moscou. As estatísticas oficiais sempre subestimaram os dados e apenas agora, dez anos depois, os números oficiais chegaram a 30 mil. No entanto, hoje, a respeitada Instituição de Pesquisa de Estudos Sócio-Econômicos afirma que esse número é de 100 mil – e 4 milhões de moradores de rua por todo o país. Apenas 10% dos moradores de rua de Moscou são Moscovitas. Os outros têm enormes dificuldades de acesso a serviços essenciais, uma vez que não possuem registro em Moscou. Uma iniciativa recente do governo da cidade de Moscou para lidar com essa questão se mostrou completamente inadequada: uma ordem foi dada a sete albergues nos limites da cidade para que tornassem 1.600 vagas disponíveis para moradores de rua sem documentos durante o inverno. Quando os albergues foram verificados por MSF na última semana, apenas 746 vagas haviam sido disponibilizadas. Além disso, o governo não fez nenhum esforço para que os moradores de rua soubessem das vagas.

A cada ano a situação se mantém grave e a cada ano o número de pessoas que MSF trata no seu núcleo de saúde aumenta.

“A situação da população de rua entrou num estado crônico”, diz Alexei Nikoforov. “No ano passado, 7 mil novos rostos vieram ao núcleo de MSF em Moscou. A maioria deles vêm das regiões do CIS (Commonwealth of Independent States – Nação dos Estados Independentes) em busca de trabalho. Devido à situação econômica, tem havido demissões nos setores industrial e militar.”

Nos últimso 10 anos, MSF ofereceu um total de 183.629 consultas médicas; 55.360 consultas sociais; vacinou 11.955 pessoas; e hospitalizou 11.164 indivíduos.

As condições tiveram uma ligeira melhora
“Agora, pelo menos, há algum reconhecimento entre políticos a respeito da difícil situação enfrentada pelos moradores de rua de Moscou”. Diz Alexei Nikiforov. “Há alguns abrigos e um núcleo de saúde está para ser implantado, embora não para os moradores de rua que vêm de fora de Moscou”. Após uma atividade extensa de lobby, o parlamento de Moscou votou, no ano passado, a favor do modelo proposto por MSF. “Mas cedo ou mais tarde, as autoridades terão que prevenir que as pessoas venham a morar nas ruas, melhorar as condições de vida daqueles que já vivem nas ruas e restaurar sua dignidade reintegrando-os à sociedade”, completa o médico de MSF Alexei Nikiforov.

Prisioneiros
Um grupo que é duplamente estigmatizado é o dos ex-prisioneiros, que contabilizam 30% dos moradores de rua. Quando preso, um cidadão perde seu registro de residência e seu passaporte. Normalmente, esses documentos essenciais de identificação não são devolvidos, tornando quase impossível a reintegração desta pessoa à sociedade.

Esperança
Apesar de a situação ser muito ruim, há esperança para os moradores de rua da Rússia. Em São Petesburgo MSF conseguiu obter sucesso nas atividades de lobby juntamente como a organização local Nochlezhka, com as autoridades da cidade. As autoridades confirmaram o acesso dos moradores de rua a direitos básicos, providenciando registro a todos assim como acesso gratuito a cuidados de saúde. Com Nochlezhka, MSF tem trabalhado em uma lei federal para população de rua.

Uma vida normal
Diferentemente dos estereótipos largamente difundidos sobre pessoas que escolhem viver nas ruas, moradores de rua têm os mesmos objetivos para as suas vidas que têm outros russos.

“Basicamente, todos eles querem ter uma vida normal”, diz Alexei Nikiforow. É por isso que temos que derrubar a visão estereotipada que as pessoas têm da população de rua”.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print