OMS e UNAIDS pedem maior acesso ao tratamento da Aids. Mas de onde virão os medicamentos?

MSF alerta que será impossível tratar um número maior de pacientes soropositivos sem a oferta permanente de medicamentos baratos. As regras de patente da OMC ameaçam secar as fontes de genéricos no mundo e podem deixar os pacientes sem tratamento

Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNAIDS (Agência da ONU para HIV/Aids) divulgam o tão esperado relatório sobre a iniciativa da OMS de ter 3 milhões de pessoas sob tratamento contra Aids até 2005, o conhecido projeto 3 em 5, e pedem por acesso universal, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) expressa sua preocupação de que não está sendo feito o bastante para garantir que os medicamentos necessários para a expansão e a manutenção do tratamento estejam acessíveis para aqueles que precisam.

A OMS e os doadores institucionais ignoram a enorme ameaça que existe ao acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, um dos principais obstáculos ao aumento do número de pessoas sob tratamento no mundo. Com o aumento do número de pessoas que há anos estão sob tratamento anti-retroviral, cada vez mais serão necessários medicamentos de segunda geração. Por enquanto, estes permanecem fora do alcance financeiro ou simplesmente não estão disponíveis.

"Não seremos capazes de manter nossos pacientes vivos após os primeiros anos a não ser que haja uma redução significativa no preço dos medicamentos de segunda escolha", disse o Dr. Karim Laouabdia, Diretor Executivo da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF. "Os pacientes precisarão inevitavelmente de medicamentos de segunda escolha após alguns anos sob tratamento, porque a resistência do HIV ocorre, mesmo quando todos os comprimidos são tomados de forma correta e o tratamento é seguido à risca".

Ao mesmo tempo, as regras sobre patentes da Organização Mundial do Comércio (OMC) ameaçam secar as fontes de versões genéricas mais baratas, inclusive de alguns medicamentos da primeira geração. Sem uma oferta confiável de medicamentos baratos para o HIV/Aids, os governos e as organizações que oferecem tratamento enfrentarão uma batalha cada vez mais dura, e os pacientes correm o risco de ter o tratamento interrompido ou ter que pagar preços fora do seu alcance.

"A competição dos genéricos e a ausência de patentes sob os medicamentos para o HIV/Aids da primeira geração em países-chave produtores forçaram os preços a cair drasticamente nos primeiros anos desta década, ajudando na expansão do tratamento", disse Ellen t' Hoen, Diretora de Políticas da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF. "Mas estamos perdendo terreno novamente. O que estamos testemunhando agora são os regimes de patente ameaçando interromper o acesso tanto aos medicamentos de primeira escolha quanto os de segunda escolha. É um caso crucial de déjà-vu, para o qual a OMS parece estar cega".

Os produtores indianos são a fonte de 84% dos anti-retrovirais usados por MSF nos seus projetos de Aids em todo o mundo. Ano passado a Índia alterou sua legislação de patente para se adequar ao Acordo TRIPS da OMC, e três semanas atrás, a Índia reconheceu a patente de um medicamento pela primeira vez. MSF está bastante preocupado que isto abra um precedente, ameaçando o acesso a outros medicamentos essenciais, inclusive anti-retrovirais, para os quais algumas patentes estão sendo analisadas pelo escritório indiano de patentes neste momento.

As empresas farmacêuticas são mais ágeis em pedir uma patente do que em fornecer medicamentos nos países em desenvolvimento. Como exemplo, o laboratório Abbott só comercializa nos Estados Unidos sua nova versão de um medicamento para o HIV/Aids recomendado pela OMS (lopinavir/ritonavir), que é especialmente adequado para uso em países em desenvolvimento porque não requer refrigeração. MSF enviou uma ordem de compra do medicamento ao escritório central da empresa em Chicago mas, até o momento, a Abbott tem se recusado a atender o pedido, e não há outra fonte para o produto nos dias de hoje.

MSF alerta que será impossível alcançar os objetivos do acesso universal caso não haja um esforço concentrado por parte da ONU e da comunidade internacional para garantir um fornecimento contínuo de medicamentos baratos para o HIV/Aids.

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