OMC sacrifica o acesso a medicamentos antes da Reunião Ministerial de Hong Kong

Decisão da OMC de tornar permanente a ‘Decisão de 30 de Agosto’ sem mostrar evidências da sua eficácia demonstra que a organização preferiu sacrificar o acesso a medicamentos a preços acessíveis para retirar o assunto da pauta em Hong Kong

A Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu a chance de garantir a produção adequada de medicamentos essenciais genéricos, disse hoje a organização de ajuda humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF). Na pressa de encerrar as discussões sobre as questões relacionadas a medicamentos antes da Reunião Ministerial em Hong Kong, a OMC concordou em emendar o Acordo TRIPS, semana passada em Genebra, com a intenção de facilitar o fornecimento de medicamentos genéricos. No entanto, MSF, outras organizações de saúde pública, e produtores de medicamentos já vinham considerando há muito tempo esta emenda (conhecida como 'Decisão de 30 de Agosto') como extremamente complexa e ineficiente porque ignora a realidade econômica da produção de medicamentos. A emenda torna permanente um processo complicado de tomada de decisão, medicamento por medicamento, país por país, dificultando as economias de escala e tornando as reduções de preços mais lentas.

Em particular, a emenda terá um impacto na produção genérica de novos medicamentos que foram patenteados recentemente, como os medicamentos de segunda escolha para o tratamento do HIV/Aids. MSF atualmente trata 57 mil pessoas vivendo com HIV/Aids em 29 países. Com o passar do tempo, cada vez mais pacientes passarão a desenvolver resistência e precisarão inevitavelmente trocar os esquemas de primeira escolha por medicamentos de segunda escolha – medicamentos esses que custam entre 5 e 30 vezes mais do que os de primeira escolha. "Hoje, MSF enfrenta um aumento crescente dos custos para oferecer novos medicamentos anti-Aids para seus pacientes nos nossos projetos. Oferecer medicamentos de segunda escolha para apenas 10% desses pacientes poderia quase quadruplicar os gastos de um programa com medicamentos", afirma Dr. Karim Laouabdia, Diretor da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF.

Desde que a 'Decisão de 30 de Agosto' foi adotada em 2003, apenas quarto países incorporaram este dispositivo nas suas legislações nacionais – Canadá, Noruega, Índia e recentemente a China. No dia 29 de novembro de 2005, a China emitiu um decreto implementando a 'Decisão de 30 de Agosto' em referência à Declaração de Doha de 2001. Embora a implementação nesses quatro países seja um indicativo de que esses governos estejam querendo usar a licença compulsória para resolver problemas de saúde pública, não está totalmente claro que o sistema irá de fato funcionar para que se obtenha uma produção de medicamentos genéricos a preços acessíveis.

"Faltam evidências claras de que as medidas propostas pela OMC possam de fato resolver as dificuldades que estamos enfrentando – até agora nenhum paciente foi beneficiado por este dispositivo. Desde 2003 estamos tentando comprar medicamentos com base na 'Decisão de 30 de Agosto', mas ainda não obtivemos sucesso. Temos pedido aos Países Membros da OMC que apresentem as evidências antes de tornar a decisão de 2003 numa emenda permanente ao Acordo TRIPS", disse Ellen ´t Hoen, Diretora de Políticas da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF. "Mas parece que a OMC decidiu sacrificar o acesso a medicamentos antes da reunião de Hong Kong, adotando medidas inadequadas simplesmente para tirar a discussão sobre medicamentos da pauta".

Diante dessas preocupações, MSF apela à OMC para que ofereça evidências até o final de 2006 que comprovem que a emenda (30 de Agosto) ao Acordo TRIPS possa de fato atender as necessidades mundiais por medicamentos genéricos a preços acessíveis.

MSF vem realizando uma campanha internacional por melhorar o acesso a medicamentos essenciais desde 1999.

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