Nunca é um dia comum em Khost

A ginecologista obstetra Heather Gottlieb fala sobre o trabalho na maternidade de MSF em Khost, no Afeganistão

Nunca é um dia comum em Khost

Quando você trabalha em uma maternidade que realiza cerca de 2 mil partos por mês (mais de 60 por dia), mesmo em um dia normal, você se depara com casos interessantes e memoráveis.
 
Em 2012, Médicos Sem Fronteiras (MSF) inaugurou uma maternidade em Khost, no leste do Afeganistão, para enfrentar a falta de cuidados obstétricos na área. O hospital ajuda a reduzir a morbidade e a mortalidade materna, oferecendo um ambiente seguro para que as mulheres deem à luz seus bebês de forma gratuita. A comunidade aprovou os serviços oferecidos no hospital. Houve um aumento de 40% no número de partos entre 2014 e 2016.

 
                       Mapa do Afeganistão e dos países vizinhos. Desenho de Aurélie Neyret.

Khost é uma cidade movimentada, com 160 mil habitantes. É a capital da província de Khost, uma região montanhosa com picos nevados a mais de 2.500 metros, apenas a 30 quilômetros da fronteira com o Paquistão. Mais de 1 milhão de pessoas vive na província e a população é uma mistura de muçulmanos sunitas pashtun pertencentes a diferentes tribos e nômades tradicionais conhecidos como Kuchi.

 
                                            Vista da cidade de Khost do alto de um edifício.

As manhãs em Khost começam com rondas para atendimento das pacientes na unidade pré-natal, em trabalho de parto e em pós-natal. As parteiras gerenciam o grande volume de pacientes e chamam a ginecologista quando surgem complicações. A maioria das mulheres não tem acesso a cuidados de pré-natal, então, quando elas se apresentam às nossas instalações com preocupações, muitas vezes esse é o primeiro atendimento de sua gestação.
 
Uma manhã, fui solicitada a atender uma paciente com dois meses de gestação e com sangramento e dor abdominal. Essa era sua segunda gravidez, sendo que a última ocorreu há três anos. Ao examiná-la, ela quase pulou da cama quando toquei sua barriga. No ultrassom, vi um pequeno feto, cujo tamanho aparentava ser de oito semanas e com batimentos cardíacos fortes. A paciente sorria enquanto eu lhe explicava e o tradutor pashtun traduzia.
 
Eu continuei escaneando com o ultrassom para encontrar a origem de sua dor e notei o que parecia ser uma grande quantidade de sangue em seu abdômen e uma massa perto do seu ovário. Alguma coisa tinha estourado e eu não tinha certeza exata sobre o que era. Podia ser um cisto hemorrágico, mas tinha uma certa aparência que me preocupava. De fato, era uma segunda gravidez fora do útero, uma gravidez ectópica (provavelmente na trompa de Falópio). As trompas de Falópio são mais finas do que um dedo mindinho e se uma gravidez começa erroneamente dentro, ela acaba por ultrapassar o espaço e se rompe. Isso causa sangramento, podendo ser fatal para a mãe.
 

                              Hospital de Médicos Sem Fronteiras em Khost durante a noite.

As gravidezes ectópicas são relativamente comuns, mas uma gravidez heterotópica – uma dentro do útero e uma fora do útero ao mesmo tempo – é bastante rara!
 
Nós rapidamente obtivemos o consentimento e preparamos a paciente para a sala de operações para realizar uma laparotomia. Nós extraímos o sangue que foi coletado na cavidade abdominal e identificamos rapidamente o sangrando – a trompa de Falópio esquerdo, que foi obstruída pela crescente gravidez ectópica. Nós removemos a trompa. O sangramento parou e a paciente foi eventualmente transferida para a área de recuperação.
 
Nos dias seguintes, ela se recuperou da cirurgia. Antes de liberá-la, realizamos outro ultrassom no leito. O feto intrauterino está vivo e bem.


                                      Sala de parto – um momento raro quando está vazio!

Atender as pacientes durante os estágios iniciais da gravidez é muito valioso para a saúde materna. Felizmente, essa jovem foi atendida a tempo de lidar com uma circunstância excepcional e de dar a melhor oportunidade para uma gestação saudável. Com um número cada vez maior de pacientes, em todos os dias há a possibilidade de ocorrer casos únicos para a maternidade de Khost.
 

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