Noroeste da Síria: a situação passa rapidamente de muito mal a pior

Omar Ahmed Abenza, coordenador-geral de MSF para o noroeste da Síria, dá uma visão geral da situação hoje nessa região sobrecarregada pelo conflito

Noroeste da Síria: a situação passa rapidamente de muito mal a pior

"Ontem, um centro de saúde em Mishmishan, na região de Idlib, no noroeste da Síria, foi atingido por um ataque aéreo. Este é mais um passo em direção ao desastre nessa zona problemática. Mais uma vez, esse bombardeio é um completo ultraje e não pode ser tolerado. É um fato triste, mas inegável, que áreas civis – especificamente instalações de saúde – estão sendo atingidas no noroeste da Síria, e os ataques – apesar de sua regularidade durante o conflito de sete anos – estão atualmente em uma intensidade que deve ser um divisor de águas e nos levar a acordar sobre o tema.

Em Mishmishan, MSF estava apoiando as atividades de vacinação do centro de saúde. No segundo semestre de 2017, a equipe vacinou mais de 10 mil crianças. Esse serviço está agora interrompido. A área do centro de saúde onde a atividade de vacinação ocorria foi gravemente danificada, destruindo o estoque de vacinas e os frigoríficos necessários para mantê-las resfriadas.

Com o maciço número de famílias que fugiram para essa área escapando do conflito que se espalhava para o sul e para o leste, havia muitas pessoas deslocadas vulneráveis que não necessariamente conheciam os serviços de vacinação do centro de saúde, ou que simplesmente assumiram que, em tempo de guerra, vacinação não era algo que eles poderiam esperar encontrar, ou que sabiam sobre o serviço, mas tinham medo de se locomover para buscá-lo em centros de saúde como o de Mishmishan. É por isso que MSF apoiou essa equipe de vacinação para iniciar algumas atividades de sensibilização da comunidade. Na manhã em que o centro de saúde foi bombardeado, a equipe de vacinação estava fora, nos vilarejos próximos. Suas vidas, e as vidas de pais e filhos que estariam fazendo fila para serem vacinados no centro de saúde, podem ter sido salvas por esse golpe de sorte.

Isso não é um consolo para as seis pessoas mortas pelo bombardeio, todos eles pacientes e seus cuidadores. E não é consolo para as 17 pessoas feridas, dentre elas três médicos do centro de saúde. Enviamos nossas mais profundas condolências aos amigos e familiares dos mortos e desejamos uma recuperação segura para aqueles que foram feridos.

Essa situação também levanta a questão de onde esses feridos serão tratados. Há um terrível efeito dominó sempre que uma instalação médica é bombardeada. Por exemplo, a equipe do hospital de referência nas proximidades de Qunaya, para o qual MSF oferece um pacote de apoio abrangente, ficou extremamente e compreensivelmente alarmada com o que aconteceu em Mishmishan. A fim de minimizar a exposição de médicos e pacientes no caso de eles também serem bombardeados, a gestão do hospital de Qunaya reduziu os serviços, enviou pacientes não críticos para casa e manteve uma equipe mínima gerindo a emergência e o centro cirúrgico.

Esse efeito dominó ocorre em ondas cada vez que há um bombardeio a um hospital ou clínica. O resultado é um aumento do número de pessoas com maiores necessidades e com menos serviços de saúde abertos e disponíveis. É certamente um círculo vicioso. As instalações que permanecem abertas estão tão sobrecarregadas que as consultas são apressadas, os erros de diagnóstico podem ocorrer mais facilmente, as opções de transferência para casos mais críticos são mais difíceis de organizar ou podem não existir. E, assim, mais pessoas ficam mais doentes e têm maior necessidade de cuidados médicos mais avançados, que por sua vez são cada vez mais limitados.

Nossas equipes de clínicas móveis observam isso enquanto se locomovem em torno dos assentamentos de famílias deslocadas, que se abrigam no frio, sobrelotando tendas, às vezes viajando dezenas de quilômetros com os pés descalços para se afastar dos combates ou ameaças de bombardeios. Entre as necessidades médicas mais comuns estão as infecções do trato respiratório e doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Sem acesso a cuidados, essas condições podem piorar – no caso de doenças crônicas, podem se tornar eventualmente um risco à vida. A equipe de clínicas móveis de MSF pode tratar os pacientes que eles encontram, mas existem centenas de milhares de pessoas deslocadas espalhadas pelo norte de Idlib e nem todas podem consultar um médico ou enfermeiro.

Uma situação já ruim está em processo de piorar – e a exigência de que se evite atingir áreas civis e infra-estruturas civis, como instalações médicas, é o primeiro passo para evitar uma catástrofe”.

NOTAS:
MSF era uma das várias organizações que apoiavam o centro de saúde em Mishmishan, com doações de suprimentos médicos e medicamentos, mesmo sem ter nenhuma equipe própria nessa instalação. Em dezembro do ano passado, outra organização assumiu o apoio geral de doação e MSF passou a se concentrar especificamente nos serviços de vacinação da instalação, treinando e pagando os incentivos da equipe de vacinação, equipando o centro de vacinação e fornecendo as vacinas. Em outros lugares da região de Idlib, MSF tem três equipes de clínicas móveis com profissionais de MSF no terreno e equipes de distribuição ad hoc que oferecem kits de sobrevivência para o inverno e de higiene para pessoas deslocadas. MSF também possui um acordo de parceria de apoio total com o hospital de Qunaya e oferece vários níveis de suporte à distância para outros hospitais e centros de saúde nessa região da Síria.

No sul da província de Idlib, forças governamentais sírias e seus aliados estão empenhados em intensos combates contra grupos armados de oposição. Atrás da frente de batalha, no centro e no norte de Idlib, bombardeios aéreos estão atingindo a infra-estrutura civil, incluindo instalações médicas, aprofundando a crise para as pessoas que fugiram quando o combate se aproximou de suas cidades e vilarejos. Desde dezembro do ano passado, dezenas de milhares de famílias estão tentando encontrar espaço entre as centenas de milhares de pessoas deslocadas, já amontoadas no norte da província de Idlib. Muitos não têm tendas e estão tentando dividir o pouco espaço com outras famílias e, com medo e frio, a saúde das pessoas está se deteriorando.
 

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