Noroeste da Síria: “Há crianças sentadas na neve, embaixo de árvores”

Médico de MSF que trabalha no campo de Deir Hassan, 30 quilômetros a oeste de Alepo, descreve a situação na região

Noroeste da Síria: “Há crianças sentadas na neve, embaixo de árvores”

Mesmo antes dos bombardeios da última terça-feira, a situação dos deslocados internos no noroeste da Síria já era catastrófica. O frio do inverno, a falta de abrigo e o iminente avanço da frente de batalha criavam um clima de tensão que chegou ao seu auge com os ataques desta semana. Leia o relato de um médico que trabalha com MSF e é também um deslocado interno.

 

“Em meados de janeiro, o exército sírio avançou rapidamente pela zona rural a oeste de Alepo. As pessoas não estavam preparadas. Elas tiveram de deixar suas casas em Al Atarib, Abian, Kafr Naha, Kafr Nouran e Maarat-al-Nouman.

Algumas saíram a pé, porque nem todas conseguiram um carro. Caminharam quilômetros no frio, sem seus pertences, sem nada para mantê-las aquecidas. Algumas fugiram só com a roupa do corpo.

Está nevando há dois ou três dias, aqui e em toda a província de Idlib. Você vê pessoas sentadas na beira da estrada com cobertores. Você vê mulheres com bebês nos braços, envoltos em cobertores. Você vê crianças sentadas na neve sob oliveiras. Dá vontade de chorar.

Muitas pessoas estão indo em direção a Afrin e Azaz. Elas sabem que não há casas para alugar. Elas podem ficar com pessoas que conhecem; caso contrário, terão que ficar ao relento até que alguém lhes dê uma barraca. Outras pessoas estão vagando sem rumo e não têm ideia para onde estão indo.

Na cidade de Al-Dana, algumas pessoas vivem em edifícios abandonados, que têm teto e paredes, mas não têm janelas. Mas a maioria não consegue encontrar um lugar para ficar na cidade, então, são obrigadas a armar tendas onde conseguem.

A região está tomada por tendas e, quanto mais perto você chega da fronteira com a Turquia, mais tendas são vistas. Aqueles que não têm dinheiro para comprar uma barraca estão compartilhando com outras famílias. Algumas pessoas deixaram todos os seus pertences no chão, porque ainda não têm uma barraca, e estão vivendo ao relento – estas estão congelando. É catastrófico.

Pessoas de todas as idades estão doentes por causa do clima frio. As pessoas não têm aquecimento e não têm medicamentos. Elas saíram de suas casas sem nada e, portanto, precisam de tudo.

Eu também sou uma pessoa deslocada. Do vilarejo onde moro agora, podemos ouvir o bombardeio por perto, vindo das frentes de batalha. É assustador e estressante. Mas eu me tornei experiente em deslocamento e estou sempre pronto para fugir a qualquer momento.

A guerra já ocorre há nove anos. Mas só este ano já equivale aos últimos nove anos, se você considerar todas as dificuldades pelas quais estamos passando. Este ano, os ataques foram brutais, com todos os tipos de armamento: artilharia, ataques aéreos, lançadores de foguetes, metralhadoras… Nós sabemos que o pior pode acontecer a qualquer momento. 

As pessoas estão perdidas e não têm ideia do que está acontecendo. O medo nos devastou. Não sabemos o que está acontecendo politicamente e não sabemos o que acontecerá no futuro. Ninguém sabe qual será o dia de amanhã. Só sabemos que há bombardeios e que as forças do governo estão avançando. Tudo o que queremos é um lugar seguro para viver.”

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