Níger: trabalhando com a comunidade para conter a malária e a desnutrição

Equipes de MSF implementaram serviços descentralizados de detecção precoce, prevenção e conscientização em Magaria, no sul do Níger.

Foto: Laurence Hoenig/MSF

Em setembro de 2018, cerca de 850 crianças chegavam semanalmente à nossa unidade pediátrica em Magaria, no sul do Níger. A grande maioria das internações era por malária e desnutrição. Este foi o período mais movimentado desde que Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a trabalhar lá, em 2005. A enfermeira Awa Abou Amadou estava trabalhando na unidade pediátrica de MSF em Magaria nesse período. Ela conta que essa foi a sua experiência mais desafiadora como enfermeira.

“Costumávamos admitir cerca de 140 crianças por dia. Não foi fácil”, diz ela. Entre outros enfermeiros e médicos, ela trabalhou por longas horas seguidas, às vezes do anoitecer ao amanhecer e além. “Como você espera que eu saia do hospital no final do meu turno se eu puder salvar a vida de outro bebê?”, diz ela. “Quando saíamos à noite para voltar para nossas famílias, nossas mentes e pensamentos ainda estavam com as crianças no hospital”.

A unidade se tornou a maior unidade pediátrica para desnutrição e malária desse tipo no mundo, com mais de 600 profissionais trabalhando ininterruptamente. Em comparação, a capacidade original da unidade era de 200 leitos.

Embora nosso hospital já estivesse extremamente sobrecarregado, mesmo com leitos e equipes adicionais, era provável que algumas das crianças gravemente doentes na comunidade não estivessem recebendo os cuidados de que necessitavam.

“Sempre nos perguntamos como é nas comunidades mais remotas, onde as pessoas não têm dinheiro para ir ao hospital”. Para MSF, 2018 foi um marco na história do projeto. Essa “máquina pesada” não era fácil de operar e algo precisava ser feito a respeito.

Foto: Laurence Hoenig/MSF

Cuidados descentralizados

Nos três anos seguintes, os números de atendimentos permaneceram altos entre setembro e outubro, que é o pico da malária e da desnutrição, mas nada comparado a 2018. O que mudou ao longo de três anos? A resposta é: cuidados descentralizados, alinhados com a estratégia nacional do Níger. A mudança também ocorreu através de outras estratégias e atividades, como a implementação da quimioprevenção sazonal da malária, a distribuição de mosquiteiros, tratamento de água e pulverização domiciliar. Essas estratégias, combinadas ao mesmo tempo ou de forma intermitente, têm ajudado a desafogar o hospital e, como resultado, melhorar a qualidade do atendimento.

Awa não é a única pessoa que se lembra de 2018 como se fosse ontem. Zaharia Mahamadou, mãe de cinco filhos, chegou pela primeira vez à unidade pediátrica de MSF neste mesmo ano, quando sua filha Firdawsi precisou, por 32 dias, receber cuidados de saúde devido à desnutrição grave e febre alta.

“Estava preocupada que Firdawsi morresse, vi muitas mães perdendo seus filhos naquela época, seja em casa ou no hospital”, diz Zaharia. “A ideia de perder Firdawsi me aterrorizou tanto que chorei por vários dias sem parar, mas sempre tive esperança”.

Hoje, Zaharia está no hospital com sua filha mais nova, Balkisou. Desde 2018, Zaharia vai à unidade todos os anos com um de seus filhos ou mais. “Quando olho para trás e me lembro da situação de Firdawsi em 2018 e a vejo hoje correndo e brincando como outras crianças, recupero minhas forças. Eu sei que meus outros filhos vão melhorar, assim como a irmã deles”, diz ela.

Foto: Mário Fawaz/MSF

Magaria, uma área rural ao sul do Níger

O distrito de Magaria fica no sul do Níger, próximo à fronteira nigeriana, a quase 100 km de Zinder, a segunda maior cidade do Níger. Magaria está na rota comercial entre o norte da Nigéria, principalmente a cidade de Kano, e os centros urbanos do Níger.

Abrigando mais de 798 mil pessoas e com uma densidade de 216 habitantes por quilômetro quadrado, o distrito de Magaria é rural e conhecido por ser rico em água e lar de grandes campos agrícolas. Cerca de 21% das pessoas têm menos de cinco anos.

O distrito de Magaria tem um hospital onde as nossas equipes ajudam a gerir uma unidade pediátrica, mais 76 postos de saúde e 20 postos de saúde integrados. No entanto, de acordo com as estatísticas anuais de 2018, cerca de 41,5% das pessoas não têm acesso regular aos cuidados de saúde.

Intervimos pela primeira vez em Magaria em 2005, após uma crise de desnutrição no sul do Níger. Hoje, ainda estamos presentes em Magaria e continuamos a gerir a unidade pediátrica do hospital distrital, com 120 leitos na época regular. Nossas equipes prestam cuidados médicos gratuitos a crianças com menos de cinco anos, principalmente para malária e desnutrição, entre outras patologias. A cada estação chuvosa – que começa em junho e termina em outubro – as taxas de malária em Magaria aumentam, especialmente entre crianças menores de cinco anos, e as internações hospitalares crescem proporcionalmente.

Foto: Mário Fawaz/MSF

Envolvimento e aceitação da comunidade

As taxas de admissão em nossa unidade pediátrica em 2018 foram as mais altas em seis anos, com 20.235 admissões em comparação com 14.849 admissões em 2017 e 15.344 em 2019. A taxa de mortalidade em 2018 também foi a mais alta em seis anos, 7,5%, impulsionada pela chegada tardia das crianças ao hospital.

Após o pico de 2018, começamos a aumentar nossa presença em vilarejos e cidades próximas, seja apoiando centros de saúde locais, reforçando salas de observação e estabilização ou aumentando o trabalho comunitário nos vilarejos.

O objetivo era claro: diminuir o número de casos graves na unidade pediátrica para evitar um cenário semelhante ao de 2018. A estratégia foi gerenciada por meio de várias atividades com o apoio de centenas de membros da equipe médica, paramédica e logística. Também trabalhamos em colaboração com o Ministério da Saúde Pública como o principal respondente na região de Zinder.

Foto: Mário Fawaz/MSF

Essas soluções mostraram eficácia após mais de dois anos de implementação, mas o caminho nem sempre foi fácil. Acompanhamento regular, monitoramento próximo e suporte constante são necessários a cada passo do caminho. Mas o mais importante, o engajamento e a motivação da comunidade e a aceitação de novas abordagens foram vitais para esse sucesso.

Para romper verdadeiramente o ciclo da desnutrição infantil e da malária de forma sustentável, são necessários programas de desenvolvimento abrangentes e o envolvimento de uma série de atores especializados em segurança alimentar e promoção da saúde. Os efeitos positivos já podem ser observados a nível clínico, mas é necessário fazer mais em todas as fases para melhorar a saúde e o desenvolvimento das crianças.

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