Na COP30, MSF cobra ação para proteger populações mais impactadas pela crise climática

Vozes dos que mais sofrem as consequências da emergência climática precisam ser ouvidas durante a conferência das Nações Unidas sobre clima em Belém

Inundações em Tenenkou, no Mali. Agosto de 2024. ©Mohamed Dayfour Diawara

Os impactos da crise climática sobre a saúde são cada vez mais evidentes, mas apesar disso as discussões sobre saúde têm ficado marginalizadas nos debates de alto nível durante as conferências climáticas das Nações Unidas. A COP30, que acontece entre 10 e 21 de novembro em Belém, representa uma grande oportunidade para elevar a consciência global das consequências da mudança climática sobre a saúde e de avançar em estratégias efetivas de adaptação e resiliência em relação a esse desafio.

Comunidades estão pagando com suas vidas e sua saúde por uma crise que elas não criaram.”

– Dra. Maria Guevara, secretária médica de MSF

Milhões de pessoas em todo o mundo já enfrentam impactos severos sobre sua saúde relacionados à emergência climática, mas a carga mais pesada recai sobre populações que já estão em situação de risco. Comunidades assistidas por Médicos Sem Fronteiras (MSF) vivenciam de maneira direta as consequências da crise climática sobre a sua saúde.

“Vemos esse impacto todos os dias em diferentes locais onde atuamos, e as pessoas já vulnerabilizadas são as mais afetadas, exatamente aquelas que menos contribuem para as emissões de gases do efeito estufa. Essas comunidades estão pagando com suas vidas e sua saúde por uma crise que elas não criaram”, diz a Dra. Maria Guevara, secretária médica de MSF.

 

MSF testemunha o custo humano da emergência climática

A realidade testemunhada por equipes de MSF é que eventos climáticos extremos repetidos e sobrepostos, como inundações, secas e tempestades, tem se tornado cada vez mais a realidade em muitas regiões. As comunidades recebem um novo golpe antes de terem se recuperado do desastre anterior, com pouco tempo e capacidade para se recuperar.

Foi o que aconteceu no Rio Grande do Sul, quando chuvas, inundações e deslizamentos consecutivos em 2023 e 2024 causaram centenas de mortes e deixaram centenas de milhares de desabrigados. MSF colaborou com o socorro aos afetados, dando apoio a populações vulnerabilizadas por meio de clínicas móveis, suporte médico e de saúde mental em abrigos e treinamento de profissionais locais para atendimento psicológico de emergência.

Estes eventos aumentam os riscos físicos e geram danos à infraestrutura, mas também causam abalos psicológicos e emocionais, podendo desencadear traumas complexos não apenas com seu impacto imediato, mas também devido à separação familiar, insegurança alimentar e deslocamentos.

As pessoas mais afetadas são aquelas que já não tem acesso ou estão excluídas da assistência básica de saúde, incluindo pessoas vivendo em áreas afetadas por conflito, pessoas deslocadas, comunidades rurais, pessoas vivendo na pobreza e comunidades indígenas. Os impactos da crise climática sobre a saúde dessas pessoas exacerbam iniquidades sociais e de saúde já existentes, acumulando-se a outras vulnerabilidades.

Outros exemplos presentes nos projetos de MSF são eventos climáticos extremos, como ciclones e grandes inundações que têm se tornado mais frequentes e intensos, como os que ocorreram no ano passado em Moçambique e neste ano em Madagascar.

Os padrões de chuva são menos regulares, facilitando o aumento de doenças causadas por vetores, como malária e dengue. Estas e outras doenças podem tornar-se mais letais se associadas à desnutrição, como vimos acontecer no ano passado no norte da Nigéria.

As secas podem ser mais prolongadas, limitando o acesso à água, conforme observamos em Moçambique, e as ondas de calor estão se tornando mais frequentes. No Zimbabwe, a seca resultou em quebras sucessivas de safra que levou agricultores a passarem a trabalhar em garimpos informais. Posteriormente, o acesso à água potável tornou-se um problema para os garimpeiros, e MSF iniciou um trabalho de mapeamento de fontes de água contaminada e elaboração de medidas para endereçar o problema.

Os países e comunidades mais afetadas não estão recebendo o apoio de que precisam.”

Dra. Maria Guevara, secretária médica de MSF

As consequências da crise são claramente mais severas para quem vive em locais mais vulneráveis do ponto de vista climático. Para algumas populações, até mesmo a recomendação de tomar mais água durante uma onda de calor pode ser impossível de atender, devido à ausência de uma fonte de água potável. Uma inundação em uma cidade causa danos, mas uma enchente em uma área com saneamento precário pode ajudar a propagar doenças como cólera e diarreia, como aconteceu no Haiti.

“É importante compreender que muitos destes impactos são cumulativos e atingem comunidades que geralmente possuem recursos limitados para responder de modo efetivo”, diz a Dra. Maria Guevara. Ela explica que MSF está trabalhando para adaptar suas operações para que as respostas aos problemas causados pela crise climática possam ser mais efetivas. “Precisamos de sistemas de alerta precoce que levem em conta não só padrões meteorológicos como também epidêmicos, para que possamos compreender melhor essa interação e responder de maneira mais rápida e efetiva.”

Do compromisso à ação

MSF acredita que na COP30 os países deveriam apresentar objetivos climáticos mais ambiciosos. Até agora, o fracasso em cumprir os compromissos de redução de emissões já estabelecidos tem resultado no aumento crescente do aquecimento global. Se a mudança climática continuar avançando sem obstáculos, as condições de vida de parte da população mundial se tornarão ainda mais inaceitáveis.

Além de metas climáticas mais ambiciosas, é preciso agir com urgência. “Os países e comunidades mais afetadas não estão recebendo o apoio de que precisam, que é apoio técnico e financeiro concreto que possa se transformar em melhorias reais para a saúde das pessoas e para os sistemas de saúde”, explica a Dra. Guevara.

Se os nossos esforços não considerarem as sabedorias local e indígena, corremos o risco de ignorar as necessidades reais e aprofundar ainda mais as desigualdades que já existem.”

Renata Reis, diretora-executiva de MSF-Brasil

MSF defende que uma perspectiva mais forte sobre saúde e ação humanitária seja integrada à agenda da conferência e sejam implementadas ações concretas para resguardar a saúde das comunidades mais em risco, especialmente as vulnerabilizadas. Outro ponto importante é garantir o acesso amplo a estratégias de adaptação climática, de modo a não perpetuar mecanismos que ampliem desigualdades e privilegiem países ricos. Isto é especialmente desafiador considerando que o financiamento para adaptação é insuficiente para cobrir as necessidades, aumentando a desigualdade.

Apesar dos inúmeros desafios, também há razões para crer que alguns passos importantes podem ser dados na COP30. O lançamento do Plano de Ação em Saúde de Belém, previsto para o dia 13 de novembro, deve ser a principal entrega da COP30 no campo da saúde. A expectativa é que o plano forneça um roteiro para o fortalecimento da resiliência climática dos sistemas de saúde, baseado na equidade, na justiça climática e com governança participativa.

Outro aspecto promissor é que a presidência brasileira da COP30 tem colocado grande ênfase na necessidade de implementação e no papel de populações locais e indígenas de conceber e executar soluções, renovando a esperança de que a implementação de decisões importantes tomadas anteriormente possa finalmente acontecer.

“Nossa experiência mostra que uma abordagem imposta de cima para baixo não é apenas ineficaz, mas na verdade seria pouco inteligente não aplicar os conhecimentos das comunidades tradicionais para ajudar a enfrentar um desafio tão complexo como a emergência climática”, diz Renata Reis, diretora-executiva de MSF-Brasil. Ela acredita que o esperado papel de destaque que movimentos populares devem ter nesta COP possa fazer uma diferença positiva. “Se os nossos esforços não considerarem as sabedorias local e indígena, corremos o risco de ignorar as necessidades reais e aprofundar ainda mais as desigualdades que já existem”, conclui ela.

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