Na Cisjordânia, mais de 40 mil pessoas foram deslocadas de casa à força

Operação militar “Muro de Ferro” já dura cinco meses, causando destruição generalizada e aumento das necessidades humanitárias

Obstrução na entrada do acampamento de Jenin, na Cisjordânia. ©Oday Alshobaki/MSF

Mais de 40 mil pessoas no norte da Cisjordânia continuam deslocadas à força, impedidas de retornar para suas casas e com acesso extremamente limitado a serviços básicos e cuidados de saúde, cinco meses após o início da operação militar israelense “Muro de Ferro”. Nessa campanha militar de larga escala, as forças israelenses têm invadido e esvaziado violentamente acampamentos de refugiados já consolidados no norte da Cisjordânia.

 

Os acampamentos permanecem isolados, com soldados israelenses ativamente impedindo a entrada de qualquer pessoa.”

– Simona Onidi, coordenadora dos projetos de MSF em Jenin e Tulkarem

As condições de saúde e de vida da população na Cisjordânia estão se deteriorando. As forças israelenses continuam a causar uma destruição generalizada e ocupam os três acampamentos de refugiados – de Jenin, Tulkarem e Nur Shams -, impedindo que as pessoas retornem.

“Após cinco meses, a operação militar continua. Os acampamentos permanecem isolados, com soldados israelenses ativamente impedindo a entrada de qualquer pessoa. As famílias seguem em um estado de incerteza e estamos preocupados com a escalada contínua das necessidades humanitárias”, afirma Simona Onidi, coordenadora dos projetos de MSF em Jenin e Tulkarem.

Para chamar atenção para a crise, MSF produziu um novo documento intitulado “Cinco Meses sob a Muralha de Ferro” (leia aqui em inglês), destacando o impacto humano do deslocamento prolongado na Cisjordânia. O material traz dados coletados nas atividades realizadas por MSF, além de quase 300 entrevistas realizadas em maio com pessoas deslocadas à força dos três acampamentos.

Minha família e eu mantemos as malas prontas o tempo todo, preparadas para fugir.”

– Mulher deslocada à força de sua casa no acampamento de Nur Shams

O documento mostra que as comunidades enfrentam crescente instabilidade e necessidades não atendidas, como acesso à saúde, alimentação e água potável.  Quase metade das pessoas entrevistadas foi deslocada à força três ou mais vezes em quatro meses, e quase três em cada quatro não sabem se poderão permanecer onde estão atualmente.

Mais de um terço das pessoas relatou sentir insegurança no local onde reside. As necessidades de saúde mental também estão aumentando, especialmente entre mulheres e crianças, por causa dos deslocamentos repetidos, da incerteza e violência, que agravam o sofrimento.

“Vivemos em constante estado de medo. As forças israelenses patrulham frequentemente a área perto de onde estou. Minha família e eu mantemos as malas prontas o tempo todo, preparadas para fugir se formos deslocados novamente”, relata uma mulher que foi forçada a deixar o acampamento de refugiados de Nur Shams.

O documento revela ainda um padrão preocupante de violência e obstrução direcionado às pessoas deslocadas que tentam retornar para suas casas nos acampamentos, com mais de 100 incidentes de violência indiscriminada relatados. Isso inclui tiroteios, agressões e detenções, afetando pessoas de todas as idades e gêneros.

Quando voltei para minha casa no acampamento, ela havia sido incendiada — e meu vizinho havia sido morto.”

– Homem deslocado à força de sua casa no acampamento de Tulkarem

Algumas famílias encontraram suas casas queimadas, saqueadas ou ocupadas. Outras foram explicitamente ameaçadas e instruídas a nunca mais voltar. Os retornos estão fortemente restritos, com apenas um tempo limitado concedido. Muitos têm o acesso negado por completo.

“Quando voltei para minha casa no acampamento, ela havia sido incendiada — e meu vizinho havia sido morto”, relatou um homem deslocado do acampamento de refugiados de Tulkarem.

 

Falta de acesso a cuidados de saúde

Uma em cada três pessoas não conseguiu consultar um médico quando necessário — principalmente por questões de custo, distância ou falta de transporte. Quase metade dos entrevistados por nossa equipe relatou acesso inconsistente a alimentos e água, e 35% das pessoas com doenças crônicas não conseguem obter medicação regularmente.

Como resposta à crise em curso, MSF montou equipes médicas móveis que atuam em mais de 40 locais públicos, abrigos para pessoas deslocadas em Jenin e Tulkarem, e centros de atenção básica administrados pelo Ministério da Saúde. Oferecemos serviços de cuidados básicos de saúde, apoio em saúde mental e atividades de promoção da saúde.

O que estamos vendo no norte da Cisjordânia não é apenas uma emergência humanitária, é uma crise provocada pelo homem.”

– Simona Onidi, coordenadora dos projetos de MSF em Jenin e Tulkarem

 

A operação militar “Muro de Ferro” não é o início nem o fim da violência enfrentada pelos palestinos na Cisjordânia. Essa nova escalada se soma a uma situação já crítica, que vem se deteriorando constantemente, especialmente desde outubro de 2023.

Como aponta o relatório de MSF divulgado em fevereiro de 2025, “Causando danos e negando cuidados”, a Cisjordânia tem sido há muito tempo cenário de repetidas violações contra civis e organizações médicas. A atual crise humanitária no Norte não pode ser entendida isoladamente, sem considerar o contexto mais amplo de medidas coercitivas e violentas da anexação.

“O que estamos vendo no norte da Cisjordânia não é apenas uma emergência humanitária, é uma crise provocada pelo homem, prolongada de forma deliberada, e que piora a cada dia,” afirma Simona Onidi. “A assistência humanitária é insuficiente e irregular. As organizações precisam ampliar sua resposta para oferecer abrigo, cuidados médicos, apoio em saúde mental e proteção. Também pedimos o fim das operações militares israelenses e do uso letal da força, que têm causado mortes e ferimentos, e que as comunidades deslocadas possam retornar com segurança e dignidade.”

 

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