MSF vê com preocupação nova política de regulação de preços de medicamentos

Organização avalia que proposta da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) pode levar a aumento no preço de remédios

A nova proposta da câmara responsável pela regulação dos preços dos medicamentos no Brasil apresenta uma série de problemas que podem levar a um aumento excessivo nos valores, o que traria prejuízos aos pacientes.

A avaliação é da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), que apresentou na semana passada suas contribuições à consulta pública aberta pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). O órgão é responsável por estabelecer uma lista de preços máximos permitidos para a venda de medicamentos no país.

Embora avalie como positiva a iniciativa de atualizar os critérios usados para precificação dos medicamentos, que são de 2004, MSF vê mudanças que poderiam até piorar a situação atual. “Acreditamos que a atualização dos critérios de estabelecimento de preços de medicamentos é necessária, mas a proposta apresentada não resolve problemas existentes na regulamentação anterior, além de acrescentar problemas adicionais como a falta de critérios claros para seleção dos países de referência, a confusão de conceitos entre política de preço e política de propriedade intelectual e a falta de transparência nas informações que devem ser apresentadas pelas empresas”, diz Rachel Soeiro, coordenadora de MSF Acesso na região das Américas.

Para medicamentos novos, o principal método utilizado para fixar o preço máximo de venda no Brasil é pela definição de um preço de referência externa (PRE), a partir dos valores adotados em um grupo de países previamente selecionados. A nova proposta de regulamentação atualiza o grupo de países de referência, o que é uma necessidade diante da atual regulação. No entanto, não são apresentados os critérios para a seleção, mas apenas uma lista de países.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os países de referência sejam países com características próximas, mas um exemplo de distorção é que a nova regulamentação coloca os Estados Unidos no grupo, onde o método de precificação de medicamentos é conduzido exclusivamente pelo fabricante. Além disso, os EUA possuem um sistema de saúde privatizado, muito diferente do sistema público de saúde universal adotado no Brasil. Outros países inclusos na proposta de atualização, como o Japão e o México, também não são as melhores referências, já que seus sistemas de controle de preços podem levar ao estabelecimento de valores máximos muito altos e incompatíveis com a realidade da sociedade brasileira, que afetariam diretamente o acesso.

Assim, MSF solicitou que sejam adotados critérios claros para a definição da cesta de países. Eles deveriam ser baseados no nível de desenvolvimento, tipo de sistema de saúde e mecanismos de regulação de preços adotados, bem como a exclusão dos países de referência apresentados na proposta que não se encaixem nesses critérios.

Outra preocupação levantada por MSF em sua contribuição é em relação às diferentes categorias de medicamentos apresentadas. A proposta apresentada pela CMED não apresenta definições claras e confunde conceitos e critérios adotados para finalidades distintas e cuja atribuição não cabe a CMED averiguar. Um dos principais problemas é a categoria de “medicamento novo” que traz em seu conceito a existência ou não de uma patente para o medicamento no país. Patente é um tipo de direito de propriedade intelectual que gera exclusividade de mercado para o seu detentor ao impedir a comercialização de medicamentos genéricos durante seu tempo de duração. Cabe ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e não à CMED averiguar os critérios necessários para a concessão de uma patente.

O conceito de “novidade” necessário para a concessão de uma patente é diferente do conceito de medicamento “novo”, que é baseado na existência ou não do princípio ativo do medicamento no país. Ademais, um mesmo medicamento pode ser objeto de múltiplas patentes e a regulação, como proposta, pode facilitar práticas de perpetuação de um medicamento em uma categoria com preço mais alto indevidamente, além de gerar insegurança jurídica ao permitir que um pedido de patente seja critério para categorização do medicamento com preço mais elevado mesmo antes de uma decisão do INPI sobre seu mérito. Assim, MSF sugere que as categorias de medicamentos para fins de estabelecimento de preço sejam baseadas no benefício clínico do novo princípio ativo ou das novas apresentações e sejam desvinculadas do conceito de patentes.

Outro ponto é que MSF tem historicamente advogado pelo aumento da transparência nas políticas de acesso a medicamentos. Em 2019, os países membros da OMS, entre eles o Brasil, adotaram uma resolução com o objetivo de aumentar a transparência dos mercados para medicamentos ao longo de todo o processo, desde a pesquisa e desenvolvimento até a produção e distribuição. É recomendado que os países adotem em suas normativas nacionais medidas voltadas para gerar transparência sobre custos de produção e de pesquisa e desenvolvimento, além de serem obrigados a revelar financiamento e subsídios públicos recebidos ao longo do processo.

Apesar de a indústria farmacêutica argumentar que preços altos são necessários para recuperar os custos do seu desenvolvimento, a falta de informações confiáveis sobre os custos envolvidos torna impossível uma averiguação independente que possa levar ao estabelecimento de preços mais justos para os medicamentos. Além disso, muitos medicamentos recebem recursos e incentivos do setor público para o seu desenvolvimento, e isso nem sempre é refletido no preço.

Diante disso, em sua contribuição para a consulta pública, MSF sugeriu que a CMED solicite às empresas informações sobre custos de produção e desenvolvimento, além de estabelecer um mecanismo que permita que outras pessoas possam contribuir com informações, com o objetivo de aumentar a transparência e a participação social no processo e possibilitar o estabelecimento de preços mais justos.

Por fim, a nova proposta de regulação visa valorizar o investimento em pesquisa e produção de medicamentos no país. MSF considera essa iniciativa positiva, com a finalidade de proporcionar maior segurança e celeridade no fornecimento de medicamentos no Brasil. No entanto, a proposta da CMED não traz critérios claros para medir o investimento nacional e nem para estabelecer o quanto esse investimento será refletido no preço do medicamento. Portanto, MSF sugeriu que seja estabelecida uma margem percentual que permita premiar o investimento nacional sem que isso leve a um aumento desproporcional no preço, além da adoção de condições que visam assegurar o fornecimento do produto no país em quantidades adequadas.

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