MSF usa técnica inovadora para ajudar a reduzir casos de dengue em Honduras

Participação da comunidade é fundamental para o projeto, desenvolvido em uma das áreas mais populosas de Tegucigalpa, capital do país.

Mosquitos portadores da bactéria Wolbachia. © Martín Cálix/MSF

Para Victoria, moradora de Tegucigalpa, capital de Honduras, uma picada de mosquito se tornou o início de um pesadelo quase fatal no hospital. “No começo era a febre, depois a dor nas articulações que não me deixava mexer. Quando o sangramento começou, pensei que ia morrer, e tudo o que queria era sobreviver para poder cuidar da minha filha”, lembra ela. Victoria mora em um dos bairros mais populosos da cidade. É nessa região que MSF está implementando um projeto para prevenir a dengue por meio de um método inovador, no qual a tecnologia e a participação da comunidade são essenciais.

Em 2023, o Ministério da Saúde de Honduras relatou mais de 9.200 casos de dengue na capital do país. Nessa área, as taxas de dengue têm sido historicamente mais altas do que em outras partes da cidade. Por esse motivo, suas consequências são bem conhecidas pela comunidade. À medida que os casos aumentam, a capital hondurenha permanece em alerta máximo, exigindo intervenções semanais do Ministério da Saúde para controlar a propagação da doença.

“Por muitos anos, Médicos Sem Fronteiras (MSF) realizou intervenções de emergência para lidar com surtos de dengue nessa área da cidade“, explica Edgar Boquin, coordenador do projeto. “No momento, conseguimos reduzir o número de casos, mas pesquisas sobre resistência à fumigação [controle dos mosquitos com pesticida] mostram que os métodos tradicionais não são mais eficazes para impedir a disseminação, por isso é necessário introduzir medidas complementares e inovadoras.”

Novo método de prevenção

Essa nova abordagem é baseada no uso de mosquitos portadores da bactéria Wolbachia, cuja presença impede a transmissão da dengue e de outras doenças como zika e chikungunya. Embora essa bactéria viva naturalmente em 50% dos insetos, incluindo alguns mosquitos, moscas da fruta, mariposas, libélulas e borboletas, ela não está naturalmente presente nos principais transmissores de arbovírus, como o mosquito Aedes aegypti

 

Mosquitos portadores da bactéria Wolbachia. © Martín Cálix/MSF

Por meio de uma tecnologia desenvolvida pelo World Mosquito Program (Programa Mundial de Mosquitos ou WMP, na sigla em inglês), a Wolbachia é introduzida nos ovos do mosquito em laboratório. Mais tarde, quando se tornam adultos, os mosquitos são liberados nas áreas de atuação para reduzir a transmissão dessas doenças e garantir que possam se replicar em novas gerações, acasalando com mosquitos locais. O WMP Wolbachia tem sido usado em países como Austrália, Brasil, México e Colômbia, onde mais de 11 milhões de pessoas continuam a se beneficiar desse método de prevenção contra doenças transmitidas por mosquitos.

Após uma primeira fase focada na conscientização e na aceitação da Wolbachia pelas comunidades da área, a introdução de mosquitos que carregam a bactéria em breve começará o processo de acasalamento com a população local de mosquitos. “Com isso, espera-se que após a liberação de mosquitos carreadores por no máximo 26 semanas (cerca de seis meses), a bactéria tenha sido transmitida de geração em geração até que um alto percentual de mosquitos na área de atuação carregue a bactéria”, explica Boquin.

 

Liberação dos mosquitos. © Laura Aceituno / MSF

Para acompanhar o andamento dessa iniciativa, o projeto conta com a participação do Instituto de Pesquisa em Microbiologia da Universidade Autônoma de Honduras (IIM-UNAH, na sigla em espanhol). “Estaremos acompanhando o processo de coleta de amostras, de análise e a publicação dos resultados em tempo hábil. Nosso interesse é gerar evidências científicas que ajudem a demonstrar, tanto ao Ministério da Saúde quanto às comunidades e à sociedade em geral, a efetividade desses estudos nessas áreas de intervenção”, afirma Denis Escobar, pesquisador do IIM-UNAH.

Aceitação da comunidade

Na região onde vive Victoria, casas de concreto, madeira e chapa metálica se aglomeram em torno de estradas íngremes e de terra. Apesar da presença de florestas e ravinas próximas, a água continua a ser um recurso escasso para a comunidade local. A água estagnada que está disponível forma um terreno fértil para mosquitos que transmitem dengue e outros arbovírus, como zika e chikungunya.

Outra moradora de Tegucigalpa, Sandra, diz que houve vários casos de dengue em sua família, alguns muito graves.

“Meu neto estava hospitalizado e tão doente que esperávamos o pior, mas felizmente ele se recuperou.”

– Sandra, moradora do bairro onde MSF desenvolve projeto contra a dengue.

Essas experiências dolorosas levaram Victoria e Sandra a se juntarem a um grupo de líderes comunitários que se uniram para combater a dengue em seu bairro. Hoje, ambos trabalham lado a lado com MSF.

“No começo, tive muitas perguntas sobre este projeto de MSF”, admite Sandra. “Aqui a gente conhece bem a organização, porque no ano passado a gente estava trabalhando na fumigação para eliminar os mosquitos durante a emergência da dengue. Então, quando eles vieram nos dizer que não vamos mais eliminá-los, mas sim que mais seriam lançados, foi uma grande mudança! A primeira coisa que sentimos foi medo, porque estamos saindo de uma pandemia de COVID e não queremos entrar em outra”, diz.

Após várias oficinas comunitárias e reuniões informativas com as equipes de promoção da saúde de MSF, Sandra passou de hesitante a confiante o suficiente para promover a iniciativa para outras pessoas. “O método Wolbachia ainda é difícil de explicar aos nossos vizinhos, mas entendemos o potencial que essa tecnologia nos oferece para reduzir os danos da dengue à nossa comunidade e, especificamente, aos mais jovens, que são os mais expostos e com maior risco.”

 

David, promotor de saúde de MSF, conversa com uma moradora do bairro: envolvimento comunitário é essencial para o projeto. © Maria Chavarria/MSF

O envolvimento de pessoas como Sandra e Victoria é essencial para o sucesso do projeto. Em primeiro lugar, elas são responsáveis por hospedar os recipientes de ovos de Wolbachia em suas casas, que chegam do insectário de MSF. Sandra e Victoria monitoram seu crescimento e posterior liberação. Juan Bernales, coordenador de atividades comunitárias de MSF, diz: “Também planejamos atividades promocionais e um sistema de defesa local no qual os líderes comunitários se tornarão os principais porta-vozes do projeto para incentivar outras pessoas a participar”.

Em julho deste ano, as equipes de MSF realizaram uma pesquisa com mais de 490 pessoas da comunidade para descobrir o nível de aceitação do projeto. Os resultados indicam que 97% dos entrevistados concordam que essa iniciativa deve ser implementada para reduzir o impacto da dengue na área. “Muitas pessoas aceitaram que a dengue é algo com que devem conviver, mas com este projeto queremos mostrar que há outra maneira de diminuir o nível de dengue em nosso bairro”, conclui Sandra.

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