MSF lança campanha global para a Johnson & Johnson reduzir o preço de medicamento contra tuberculose

Ações a exigir que a bedaquilina seja vendida a um dólar por dia decorreram junto à sede da J&J no Brasil e em outros cinco países

MSF lança campanha global para a Johnson & Johnson reduzir o preço de medicamento contra tuberculose

A Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançou a 10 de outubro uma campanha global para que a empresa farmacêutica Johnson & Johnson (J&J) reduza o preço da bedaquilina, usada no tratamento contra tuberculose (TB) resistente a medicamentos, para não mais do que um dólar por dia.

O objetivo é tornar o tratamento acessível para todas as pessoas que necessitam dele, permitindo a sua expansão e a redução das mortes causadas por tuberculose resistente.

A MSF insta à redução de preço considerando também as contribuições conjuntas realizadas para o desenvolvimento do medicamento, incluindo a da própria MSF. A organização médica humanitária convocou protestos com ativistas e organizações da sociedade civil para junto das instalações da J&J no Brasil, nos Estados Unidos, na África do Sul, Bélgica, Ucrânia e Espanha, reivindicando que a empresa disponibilize o remédio para as pessoas com tuberculose resistente a medicamentos por não mais do que um dólar por dia. No Brasil, a manifestação decorreu em frente à sede da empresa em São Paulo.

“A bedaquilina foi desenvolvida utilizando dinheiro dos contribuintes e contribuições da comunidade global de TB”, aponta a assessora da Campanha de Acesso a Medicamentos da MSF para políticas de VIH e TB, Sharonann Lynch. “Quem contribuiu para o desenvolvimento da bedaquilina deve ser tido em conta na discussão sobre a definição do preço. Estamos a pedir que a J&J cobre não mais do que um dólar por dia pela bedaquilina, para que seja acessível a todas as pessoas com TB resistente a medicamentos. Não vamos recuar até que o preço da bedaquilina seja reduzido”, assevera ainda.

A bedaquilina foi desenvolvida com uma participação muito significativa de investimento público e de dinheiro de organizações sem fins lucrativos e de doações de instituições filantrópicas. Grande parte do trabalho fundamental de avaliar o uso do medicamento e de demonstrar o seu valor terapêutico foi feito pela comunidade de pesquisa sobre TB, por ministérios da saúde e por entidades que prestam tratamento, incluindo a MSF, além de ter sido financiado por investimento público e doações. Apesar deste esforço combinado de investigação e desenvolvimento, a J&J é a única detentora da patente do medicamento em muitos locais e possui direitos exclusivos para determinar em quais países o remédio é vendido. Mais ainda, a J&J também foi beneficiada com um expressivo “bónus financeiro”, tendo obtido um “Voucher de Revisão Prioritária” (PRV, Priority Review Voucher) emitido pela agência federal norte-americana que regula os alimentos e os medicamentos (FDA).

Aquele benefício pode ser usado para acelerar a aprovação da comercialização de outro medicamento. Outra possibilidade ainda é a de revenda do PRV a outra empresa, o que já foi feito noutros casos por somas que ascenderam a 350 milhões de dólares.

Atualmente, o preço cobrado pela J&J é o dobro do reivindicado pela MSF. A J&J estipulou o valor de 400 dólares para um tratamento de seis meses nos países aptos a comprar o medicamento através da Global Drug Facility (GDF), um mecanismo para a aquisição de fármacos e de diagnósticos da tuberculose operado por uma agência das Nações Unidas. Em contraste, investigadores da Universidade de Liverpool calcularam que a bedaquilina pode ser produzida e vendida com margem de lucro por um preço muito menor, a partir de 25 cêntimos de dólar por dia, se forem comercializados por ano pelo menos 108 mil tratamentos.

A um dólar por dia, o preço da bedaquilina seria de 600 dólares por pessoa para os 20 meses completos de tratamento que é necessário para muitos pacientes de tuberculose resistente. Comparativamente, o preço mais baixo cobrado atualmente pela J&J por 20 meses de bedaquilina é de aproximadamente 1 200 dólares (ou dois dólares por dia) nos países aptos a fazerem a compra através da GDF; a J&J cobra muito mais noutros países. Este preço elevado limita a adoção do medicamento em muitos países que lutam contra epidemias de tuberculose resistente, uma vez que a bedaquilina é apenas um de muitos fármacos necessários nos regimes de tratamento.

“A bedaquilina salvou-me a vida. Eu sofria muitos efeitos secundários no tratamento anterior, que incluía injeções”, recorda a paciente Noludwe Mabandlela, que recebeu tratamento para tuberculose multirresistente em Khayelitsha, na África do Sul, e ficou curada no início de 2019. “Depois de mudar para a bedaquilina, a minha saúde melhorou muito mais rapidamente. Não desejo a ninguém passar pelo que eu passei. As empresas farmacêuticas como a J&J deveiam parar de inflacionar o preço de um medicamento que dá esperança às pessoas com tuberculose resistente.”

A bedaquilina é um dos três únicos novos fármacos contra a tuberculose que foi desenvolvida em mais de 50 anos (os outros são a delamanida e a pretomanida). Os regimes de tratamento anteriormente recomendados, e utilizados na maioria dos países, exigiam que o paciente ingerisse até 20 comprimidos por dia durante dois anos e se submetesse a injeções diárias e a efeitos secundários graves, como psicose, náusea contínua e surdez. O tratamento só conseguia curar 55% das pessoas com tuberculose resistente e apenas 34% de quem tinha uma forma mais avançada da doença, a tuberculose ultrarresistente.

Com base nos dados gerados pela comunidade de TB, que mostram resultados positivos em pessoas que receberam a bedaquilina, a Organização Mundial de Saúde recomendou em 2018 que o medicamento seja utilizado como parte central de um regime de tratamento oral, substituindo as drogas injetáveis. O uso ampliado da bedaquilina já demonstrou benefícios, incluindo entre pessoas com maior probabilidade de obterem resultados piores, no que se incluem pessoas vivendo com VIH assim como quem apresenta formas preliminares de tuberculose ultrarresistente e com tuberculose ultrarresistente. Por exemplo: na Bielorússia, entre as 244 pessoas tratadas com bedaquilina, 96% tinham formas ultrarresistentes da doença, e o índice de sucesso aumentou para 87%.

“Vimos muitos pacientes ficarem surdos, perderem o emprego ou a própria vida porque não tinham outra opção além de receber as drogas injetáveis que são extremamente dolorosas”, sublinha a assessora médica da Campanha de Acesso de MSF, Pilar Ustero. “Agora, a bedaquilina está a provar ser capaz de mudar o jogo, dando uma hipótese de cura às pessoas com tuberculose resistente que têm acesso ao medicamento, sem os efeitos secundários tóxicos. Precisamos que o fármaco seja acessível para todos que precisam dele, em todos os lugares”, defende.

Desde que a OMS recomendou, há um ano, o uso da bedaquilina como medicamento central no tratamento de tuberculose resistente, apenas menos de 12 mil pessoas foram tratadas com um regime que a inclui, de acordo com dados de programas nacionais de combate à TB. Este é um número insignificante considerando que 80% das 558 mil pessoas que desenvolvem TB resistente anualmente (dados do relatório Global TB 2018) deveriam ser tratadas com o medicamento.

A necessária expansão rápida de tratamentos mais bem tolerados contendo bedaquilina só vai acontecer se a J&J a disponibilizar amplamente e de modo acessível, incluindo a permissão para que outros fabricantes de medicamentos contra a tuberculose produzam versões genéricas.

Para saber mais, aceda: https://www.msf.org.br/acao-tuberculose

A MSF é o maior prestador não governamental de tratamento contra a tuberculose em todo o mundo e está envolvida há 30 anos no combate à doença. A organização médica humanitária rabalha frequentemente em conjunto com instituições públicas de saúde nacionais numa ampla variedade de contextos, incluindo em zonas de conflito crónico, em bairros de habitação precária, em prisões, campos de refugiados e áreas rurais. Até setembro de 2018 mais de duas mil pessoas em projetos da MSF em 14 países tinham sido tratadas com os medicamentos mais recentes, incluindo 633 com delamanida, 1 530 com bedaquilina e 227 com uma combinação de ambos.

A MSF também trabalha para superar as barreiras das patentes ao medicamento e para assegurar a entrada de múltiplos fabricantes no processo como solução a longo prazo para o acesso à bedaquilina por um preço comportável. Em fevereiro de 2019, MSF apoiou uma ação judicial de contestação ao pedido de patente feito na Índia pela J&J. A MSF insta o Governo indiano a rejeitar a concessão da patente e a estimular que fabricantes locais de medicamentos contra a tuberculose forneçam bedaquilina ao seu programa de TB através de uma licença obrigatória, considerando-se que a tuberculose resistente é uma emergência médica.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print