MSF defende pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas

Médico Tido von Schoen-Angerer faz pronunciamento em reunião do Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Inovação, Saúde Pública e Propriedade Intelectual

As atividades em pesquisas e desenvolvimento (P&D) realizadas atualmente e mencionadas por diferentes Estados-Membros (do Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Inovação, Saúde Pública e Propriedade Intelectual) são bem-vindas. Mas elas não devem nos fazer tirar o foco das enormes lacunas ainda existentes em pesquisa e desenvolvimento para doenças que afetam desproporcionalmente as pessoas em países em desenvolvimento.

Essas lacunas existem em diferentes áreas.

Regiões inteiras continuam sem assistência. Baixos níveis de investimento em ferramentas de diagnóstico para diferentes doenças é um grande exemplo. Há necessidades urgentes e imediatas de diagnósticos mais eficientes e simples que não são acompanhadas pelas decisões financeiras: o diagnóstico de tuberculose, por exemplo, com a ferramenta mais comumente usada, o microscópio, só detecta a doença em entre 40% a 60% dos pacientes – mesmo assim, apenas 4% do já limitado orçamento de P&D para tuberculose vai para o diagnóstico. Não existem métodos confiáveis para diagnosticar o HIV em crianças, nem também testes apropriados para diagnosticar infecções sexualmente transmissíveis – e nenhuma verba para isso foi disponibilizada.

Como nenhum organismo público assumiu a responsabilidade de mapear essas necessidades e estabelecer prioridades para a P&D em saúde que afetam potencialmente a saúde mundial, essas lacunas continuam a passar despercebidas.

Há cinco anos, o portfólio de projetos de P&D para doenças negligenciadas estava vazio. Hoje, pelo menos, existem novamente portfólios nesta área. No entanto, esses portfólios ainda são bastante fracos e não vão nos trazer as inovações das quais necessitamos. Médicos Sem Fronteiras divulgou recentemente uma análise do portfólio existente para diagnóstico e medicamentos para tuberculose [1]. As avaliações indicam que os portfólios de projetos são fracos devido a um número insuficiente de compostos, de investimentos na pesquisa de novos medicamentos e devido à falta de capacidade de conduzir estudos clínicos e de verbas para os mesmos.

Cinco anos atrás, nós observamos que apenas 1% dos medicamentos que entraram para o mercado entre 1975 e 1999 eram para as doenças negligenciadas. Nós atualizamos essa pesquisa no ano passado e descobrimos que esse número não mudou. [2]

O atual investimento dos organismos públicos para o desenvolvimento de produtos é altamente insuficiente.

Mais uma vez usando a tuberculose como exemplo, estimou-se que a necessidade de financiamento seria de US$ 2 bilhões por ano, sendo que apenas um quinto deste total é garantido atualmente. [3]

O mercado farmacêutico global hoje vale mais de US$ 500 bilhões. A maior parte desse dinheiro é conseguido nos países ricos. Por isso, não é surpresa que as oportunidades de mercado nesses países ricos ditem os planos de pesquisa e desenvolvimento – com efeitos devastadores para as pessoas que vivem nos países em desenvolvimento.

O financiamento de P&D é altamente dependente do preço monopolístico de medicamentos patenteados. Enquanto isso permanecer como núcleo central do sistema de P&D global, vamos continuar a observar uma desconsideração enorme com relação a P&D e vamos continuar a presenciar problemas de acessos a medicamentos devido aos altos preços.

Através do Acordo TRIPS da Organização Mundial de Comércio, esse sistema de inovação está agora globalizado. O relatório da Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública (CIPIH, na sigla em inglês) descreve de maneira muito apropriada como as promessas de aumentar as inovações que surgiram com o Acordo TRIPS não foram concretizadas e como o preço em situação de monopólio leva a problemas de acesso a medicamentos.

Com as políticas corretas e acordos funcinando entre os países, deveria ser possível usar um pouco dos US$ 500 bilhões para as necessidades de saúde dos países em desenvolvimento. Um primeiro passo-chave em nossa opinião é a identificação das lacunas e necessidades – a elaboração de uma agenda de pesquisa e desenvolvimento médica essencial.

Nós precisamos de políticas para conduzir o financiamento para essas áreas de necessidades. Nós precisamos de mecanismos de financiamentos para garantir que o investimento em P&D não dependa de altos preços de medicamentos. O estabelecimento de prioridades e de mecanismos de financiamento é responsabilidade crucial do governo e não pode ser deixado a cargo apenas de Organizações de Caridade.

Resumindo, esse grupo deve trabalhar em duas frentes:

1. Estabelecer um plano de ação para implementar as recomendações do CIPIH
2. Ao mesmo tempo, deve delinear um quadro global para a P&D baseada em necessidades de saúde.

P&D e questões relativas ao preço de medicamentos são raramente discutidas em um mesmo fórum, apesar de os dois assuntos estarem interligados. Por isso, esse grupo de trabalho intergovernamental é uma oportunidade histórica para garantir que sejam discutidos juntos, dando às preocupações de saúde a primazia que merecem.

Referências:

1. Tuberculosis R&D pipeline reports, Outubro de 2006, disponível em
http://www.accessmed-msf.org/documents/TBPipeline.pdf and
http://www.accessmed-msf.org/documents/Diagnostics%20Pipeline%20Report.pdf

2. Chirac P, Torreele E, Global Framework on essential health R&D, The
Lancet 2006: 367:1560-61

3. Tuberculosis Research and Development: a critical analysis, Treatment
Action Group, disponível em http://www.aidsfornyc.org

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