MSF analisa tragédia no Paquistão um ano após terremoto

Em entrevista, o chefe de missão do projeto de Médicos Sem Fronteiras no Vale Bagh, Fasil Tezera, fala sobre os esforços em resposta ao desastre e revela novos desafios

O terremoto do dia 8 de outubro na região da Caxemira, entre o Paquistão e a Índia, provocou mais de 70 mil mortes, 50% delas de crianças e mulheres. Cerca de 125 mil pessoas ficaram feridas. Segundo os números oficiais, cerca de 60 mil casas foram destruídas, deixando mais de 3,5 milhões de desabrigados. Aproximadamente 800 estabelecimentos de saúde foram demolidos. O sistema de abastecimento de água foi severamente destruído. Outros edifícios civis e administrativos, escolas e departamentos de polícia também foram gravemente atingidos pelo abalo sísmico.

Em entrevista, o chefe de missão do projeto no Vale Bagh, Fasil Tezera, faz um balanço sobre a região um ano após o grande terremoto. Tezera está em sua segunda missão no local. A primeira foi em dezembro de 2005, dois meses após a tragédia.

Qual foi a resposta de MSF à emergência?

Fasil Tezera – Imediatamente após o terremoto, cinco centros de saúde temporários foram construídos nas áreas de Bagh, Malot, Birpani, Chikar e Bedi. Em um ano, 64 mil pessoas passaram por eles. Na cidade de Bagh, MSF e a Organização Mundial de Saúde abriram um hospital pré-fabricado para substituir o hospital do distrito que foi destruído pelo terremoto. O governo indicou o hospital para simbolizar o memorial do primeiro ano, como sinal de esperança e melhora das condições de vida da população.

Uma equipe de saúde mental continua a providenciar assistência para pessoas traumatizadas nas comunidades e escolas. Em um ano, MSF realizou operações de abastecimento de água e saneamento em 35 vilarejos ao longo do vale, construindo mais de três mil latrinas, restaurando 12 quilômetros de tubulação e desinfectando dezenas de fontes de água.

Desde o início de sua intervenção, na área de Bagh, MSF distribuiu cerca de 1.700 tendas, 168 mil cobertores, 17 mil kits de higiene, 17 mil lonas plastificadas, 226 mil peças de metal laminado, 17 mil kits de construção e outros materiais.

Como estão Bagh e as áreas ao redor atualmente?

Falando de maneira genérica, um ano após o terremoto, a situação se estabilizou e a maior parte da população deslocada interna voltou para seu local de origem. No entanto, as marcas do terremoto ainda são visíveis. Milhares de pessoas ainda vivem em abrigos temporários, que não são adaptados às mudanças climáticas locais.

Hoje, a cidade Bagh aparenta ter se recuperado e a prova disso é o funcionamento do bazar. Logo após o terremoto, estava tudo destruído e parecia ser impossível reconstruí-lo. Estou impressionado e surpreso com o zelo e determinação do setor privado em reconstruir tudo rapidamente. No entanto, a principal preocupação é a estabilidade de algumas estruturas que sobreviveram e agora estão reabilitadas. A maioria delas têm sua fundação comprometida. Agora, apenas com o revestimento e a pintura, parece bom. Mas se houver outro terremoto, esses prédios vão ruir, provavelmente causando mais mortes.

Como está a situação dos deslocados que vivem nos campos ao redor?

A maioria dos campos de deslocados está fechado. Ainda existem cerca de 200 famílias em alguns campos nos arredores da cidade. Grande parte delas não pode voltar para suas casas ou territórios porque tudo foi destruído – aterrados por deslizamentos de terra – e é impossível reconstruir uma casa no mesmo lugar.

Como as pessoas se sentem?

Em geral, há um grande entusiasmo e motivação com relação à reconstrução e ao início de uma nova vida. Há até pessoas que vêem o terremoto como algo positivo. Um senhor me disse: 'O terremoto aproximou as pessoas, elas dão apoio umas às outras. Antes, todos eram ocupados e não tinham tempo para os outros. Hoje, essa atitude mudou e, devido ao desastre, podemos nos ajudar uns aos outros'.

Outro disse: 'Foi um despertar. Vimos pessoas de outras partes do Paquistão vindo para ajudar. Vimos estrangeiros de outros países chegar para ajudar também. Isso abriu contato e comunicação com o mundo. Eu diria que é positivo. Aprender por outra perspectiva e interagir com outras culturas. Aprendemos muito'.

No entanto, o trauma resultante do que aconteceu não pode ser apagado facilmente, especialmente nas crianças. Eles ainda acordam por causa de pesadelos. Por um certo tempo, as crianças se recusaram a ir para a escola ou a falar sobre problemas de relacionamento quando estavam na aula. As crianças e alguns adultos ainda estão com medo de alguns barulhos mais estrondosos, trovões ou chuva forte. Alguns ficaram ansiosos com a aproximação do dia 8 de outubro. Eles ainda temem que o pior não tenha chegado ao fim. Eles têm memórias vívidas dos que amam soterrados nos escombros por horas e de estarem ali, sem poder fazer nada, devido à falta de equipamentos e organização de resposta à emergência nas primeiras 48 horas.

Um ano depois, como está a situação de saúde em Bagh?

Apenas no distrito de Bagh, das 78 unidades de saúde, 46 foram completamente destruídas e 32 parcialmente. Até agora, nenhuma foi reconstruída exceto as temporárias, montadas com estrutura pré-fabricada fornecida por MSF e pela Organização Mundial de Saúde.

Com a ajuda das ONGs e outras agências, os serviços emergenciais de saúde estão cobertos, mas o resgate da infra-estrutura a longo prazo é lento. A maioria das unidades de saúde na Caxemira funciona devido à ajuda da comunidade internacional.

Hoje, a população está começando a perceber as lacunas existentes em algumas áreas, de onde as ONGs saíram, uma vez que o esforço do governo não tinha o mesmo nível de excelência ou simplesmente porque o acesso à saúde não existe mais. Esse é um problema que deve ser discutido pelo governo e pelas agências de desenvolvimento que têm projetos a longo prazo.

No nível distrital, o Ministério da Saúde não tem capacidade ou meios de atender à demanda de saúde. O escritório médico do distrito ainda funciona em tendas, a maioria das ferramentas se perderam, e eles precisam de suporte urgente para fazê-los eficientes e funcionais.

Como está funcionando o hospital pré-fabricado do distrito?

O hospital do distrito, com 150 de leitos, foi totalmente destruído pelo terremoto. MSF instalou um hospital-tenda imediatamente após o desastre e logo se deu conta de que não era adequado para suportar as condições locais climáticas. No inverno, a neve pode acumular até a uma altura de um metro e a temperatura pode chegar até menos 9º Celsius; na estação de moções, há as grandes chuvas; e no verão as temperaturas dentro das tendas chega a 44 graus.

Levando isso em consideração, e querendo fornecer serviços de saúde de qualidade às vítimas do terremoto, uma decisão rápida foi tomada para construir uma estrutura semi-permanente que podia ser facilmente recolhida. A decisão final foi de investir em um hospital pré-fabricado, que pode durar entre três a cinco anos e, durante esse período, fornecer cobertura médica adequada substituindo o hospital destruído.

Foi uma boa decisão?

Foi um projeto difícil e desafiador. A boa notícia é que, no fim, o resultado é bastante encorajador e positivo. Levou-se muito tempo para solucionar problemas práticos como obter permissão do governo do Paquistão para construí-lo, descobrir a localização apropriada para a construção, importar materiais, contornar atrasos, problemas de transportes no país e outras dificuldades.

O hospital está funcionando desde a primeira semana de julho deste ano, com 60 leitos, duas salas de operação, uma de emergência, uma unidade de tratamento intensivo, maternidade e outros importantes serviços médicos. Desde sua abertura, atendemos mais de 650 pacientes por dia e a ocupação da cama, em geral, é de 100%. MSF convenceu o Ministério da Saúde a continuar a oferecer acesso à saúde de graça.

Quais são seus planos para o futuro?

No ano que vem, vamos entregar o hospital pré-fabricado de Bagh para a cooperação alemã (GTZ). Já começamos a transferir projetos para outros atores. Os centros de saúde de Chikar e Bedi foram entregues ao Ministério da Saúde, mas vamos continuar a trabalhar nos centros de saúde de Malot e Birpani. Outro inverno está chegando e ainda existem muitas pessoas que precisam de assistência.

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