Moradores de rua: muito trabalho, pouca cidadania

Levantamento feito por equipe de Médicos Sem Fronteiras no Rio de Janeiro revela que dos 600 moradores de rua do centro da cidade atendidos pelo programa, apenas 1% é pedinte e 1,5% já praticou furtos e roubos. A grande maioria trabalha, e muito.

Eles são trabalhadores como a maioria dos brasileiros que acorda cedo, antes mesmo do sol aparecer. Têm longas jornadas de trabalho e exercem atividades muitas vezes exaustivas. A diferença é que enquanto a maioria dos trabalhadores brasileiros volta, no final do dia, para suas casas, eles buscam nas marquises, um teto para protegê-los do frio, da chuva, ou mesmo dos ataques inesperados de pedestres, policiais ou companheiros de rua.

Para muitos brasileiros, morador de rua é sinônimo de ‘mendigo’, ‘vagabundo’, ‘criminoso’. No entanto, um levantamento realizado pela equipe do projeto Meio-Fio – projeto de Médicos Sem Fronteiras que presta assistência médica e psicossocial à população de rua – revela que a grande maioria dos moradores de rua do centro do Rio de Janeiro exerce atividades remuneradas.

Segundo o levantamento, apenas 1% dos 599 moradores de rua atendidos pelo projeto é pedinte, e 1,5% já praticou furtos ou roubos. A maioria deles, 40%, trabalha com material reciclável, cantando latinhas e papelão. 15% fazem biscates como montar e desmontar barracas de camelôs, pequenas mudanças, lavam carros etc. 8% são vendedores ambulantes e 3% são operários de construção civil. Há ainda aposentados, pensionistas, funcionários públicos etc.

Dona Maria e o marido, Seu Isaias, já passaram dos 60 anos, mas só conseguem descanso nos finais de semana. Seu Isaias recebe um salário mínimo de aposentadoria, mas o dinheiro não dá nem para os remédios de que precisam. Por isso, de segunda a sexta, catam papelão na Praça Tiradentes, no centro do Rio, para reciclagem. Para cada quilo de papelão entregue, o casal recebe 20 centavos. Para juntar 20 reais por dia, os dois precisam recolher 100 quilos de papelão e levá-los da Praça Tiradentes até um depósito a uns 2 km dali, onde é feita a pesagem do produto. “Meu marido traz o material e eu limpo e arrumo direitinho. Vou botando devagarzinho, vou separando pelo tipo de material” explica Dona Maria. “A vida é cheia de sacrifícios, não é? Se não fizer sacrifício não tem nada”.

Dos palcos para a rua

Tito já teve uma vida de glamour. Dançarino de um grupo de sucesso nos anos 70 e 80, ele já se apresentou em vários teatros do Rio de Janeiro. Mas a vida de Tito deu meia volta e hoje vive no Largo de São Francisco no centro da cidade. Acorda todos os dias às cinco e meia da manhã, caminha até o aeroporto Santos Dumont onde fica das seis da manhã às sete horas da noite lavando carros, junto com outros lavadores. “A gente fica aqui o dia todo. Porque tem carro que só paga a gente na volta. Cinco reais cada carro,” conta.

Não muito longe do Largo de São Francisco, no Largo da Carioca, um dos pontos mais movimentados do centro do Rio de Janeiro, vive Seu Irã, um senhor de 64 anos, barba branca, um enfisema pulmonar e muita disposição para o trabalho. Acorda sempre às três e meia da manhã e passa o dia prestando serviço para os camelôs da região. “Eu deposito dinheiro, compro pino de relógio, sou a pessoa que eles têm de confiança aqui na rua,” explica. “Hoje já fui 5 vezes ao banco. É assim que consigo um real aqui outro ali.”

O dinheiro, no entanto, não dá para alugar um quarto, ou pagar uma pensão. À noite, Seu Irã monta um quartinho para ele mesmo, bem ali no coração do centro do Rio. “Coloco os caixotes que tenho guardado, um do ladinho do outro, cubro o chão com papelão e deito ali entre os caixotes e o banco. Quando chove prendo uma lona na marquise pra não me molhar e me cubro com lençol quando está frio. Não posso usar cobertor de lã, porque eu tenho bronquite,” diz.

Geraldo já é figura conhecida no Estação Botafogo, um conjunto de salas de cinema da zona sul do Rio de Janeiro. Não que seja cinéfilo, ou que costume assistir aos filmes que passam no Estação. Geraldo é um vendedor ambulante da Revista OCAS, uma publicação da Organização Civil de Ação Social que pretende fornecer instrumentos de resgate da auto-estima de pessoas em situação de rua, como ele. “Nós compramos a revista por 50 centavos e vendemos por 2 reais. Então, pra cada revista que eu vendo, ganho 1 e 50. Tem dias que a venda é boa…mas tem dias…” explica o vendedor. Geraldo vive no Centro de Acolhimento de Benfica e segundo o Diretor Executivo da OCAS, Luciano Ferreira Rocco “ele chega a vender até 700 revistas por mês”. Com o dinheiro que ganha, Geraldo sente orgulho de não precisar de ajuda para fazer as refeições do dia e comprar roupa. “Com o dinheiro que sobra, Geraldo está ajudando a mãe, que vive em Santos, litoral paulista” diz Luciano Rocco.

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