Minas terrestres continuam matando e ferindo pessoas no leste da Síria

Dois em cada cinco feridos por explosivos atendidos por MSF em Deir ez-Zor são crianças

Durante mais de uma década de conflito, a cidade de Deir ez-Zor foi destruída. © Asmar Al-Bahir/MSF

Pessoas que estão retornando para suas casas e vilarejos devastados pela guerra na província de Deir ez-Zor, no leste da Síria, estão sendo feridas ou até mesmo mortas por dispositivos não detonados. Entre 28 de maio e 1º de junho, quatro incidentes resultaram em oito vítimas, incluindo a morte de quatro crianças. É urgente a necessidade de limpar a área de restos explosivos de guerra e minas terrestres.

Equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) apoiaram a reabertura da sala de emergência do hospital nacional de Deir ez-Zor em resposta ao alto número de ferimentos causados por artefatos explosivos. Pedimos que a remoção de minas terrestres seja ampliada e que o atendimento médico em resposta seja reforçado.

Explosivo remanescente da guerra na Síria. © Asmar Al-Bahir/MSF

“Desde o dia 7 de abril, nossas equipes que trabalham na sala de emergência do hospital de Deir ez-Zor têm atendido cerca de um paciente por dia ferido por explosões de minas terrestres, munições não detonadas e armadilhas”, diz Will Edmond, coordenador-geral de MSF na Síria. “As pessoas foram feridas principalmente nos campos ou na estrada”.

Surpreendentemente, duas em cada cinco pessoas que atendemos eram crianças.”
— Will Edmond, coordenador-geral de MSF na Síria

“Das pessoas que chegaram ao nosso pronto-socorro, quase dois terços têm ferimentos graves ou correm risco de morte, e quase um quarto tem amputações traumáticas”, diz Edmond. “Surpreendentemente, duas em cada cinco pessoas que atendemos eram crianças.”

Explosivo remanescente da guerra na Síria. © Asmar Al-Bahir/MSF

Territórios perigosos, infraestrutura destruída

Anos de conflito armado destruíram infraestruturas essenciais na província de Deir ez-Zor, inclusive instalações de saúde. As ruas e os campos da região estão contaminados com minas e artefatos explosivos, tornando a vida cotidiana perigosa para os que retornam, dificultando os esforços de reabilitação da região. As equipes de MSF já encontraram quatro artefatos explosivos não detonados em instalações de saúde que planejávamos apoiar, com a possibilidade de haver mais escondidos sob o solo.

Na Síria, a província de Deir ez-Zor tem o maior número de incidentes registrados com restos explosivos de guerra. Em cinco meses, até 6 de maio de 2025, pouco mais de um quarto (26%) dos 471 incidentes registrados no país ocorreram em Deir ez-Zor*.

Ahmad, um adolescente de Hawaij, a 50 quilômetros ao sudeste da cidade de Deir ez-Zor, perdeu a perna direita e parte do pé esquerdo enquanto cuidava de ovelhas no deserto.

“Agora me sinto triste porque não posso mais correr”, diz Ahmad. “Mas gosto de jogar bolinha de gude e andar de motocicleta.”

“Ele não é o único de Hawaij”, acrescentou sua mãe, Umm Mohammad. “A mesma coisa aconteceu com um de seus amigos e com outras pessoas do vilarejo.”

Entre 8 de dezembro de 2024 e 14 de maio de 2025, 91 crianças foram mortas e 289 ficaram feridas em acidentes envolvendo artefatos explosivos em todo o país, de acordo com a Área de Responsabilidade de Ação contra Minas. Muitos desses casos trágicos envolvem crianças que encontraram minas enquanto coletavam trufas, cuidavam de ovelhas ou brincavam em áreas contaminadas.

Durante mais de uma década de conflito, a cidade de Deir ez-Zor foi destruída. © Asmar Al-Bahir/MSF

Ali Abd Khalaf, um ex-agricultor de trigo, também pisou em uma mina terrestre perto de Az-Zabari, próximo a Al-Mayadin

“Há dois meses, eu estava viajando com meu irmão em nossa moto”, conta Ali. “Decidimos parar no caminho, então desci da moto, dei apenas alguns passos e aconteceu a explosão: pisei em uma mina terrestre.”

Ali recebeu atendimento inicial em uma clínica particular e, depois, foi transferido para o hospital nacional de Deir ez-Zor, onde foi passou por duas cirurgias e teve sua perna esquerda amputada acima do tornozelo.

Transporte caro e atendimento limitado

Os pacientes relataram grandes desafios no acesso à assistência médica. A maioria depende de transporte particular, que é caro, devido à sobrecarga da rede de ambulâncias. Como resultado, muitos pacientes de cidades mais distantes não retornam para acompanhamento. Outros relatam o alto custo do atendimento particular.

“Levamos Ali às pressas para uma clínica particular em Al-Mayadin, onde nos foi exigido o pagamento de uma taxa inicial de 80 dólares (cerca de 440 reais) para iniciar seu tratamento”, disseram parentes de Ali Abd Khalaf. “Embora fosse uma quantia considerável, nós pagamos. Depois disso, nós o transferimos rapidamente para o hospital em Deir ez-Zor, onde ele recebeu atendimento médico completo e gratuito.”

É urgente o financiamento para apoiar organizações de ação contra as minas, ampliar a remoção de dispositivos explosivos e minas terrestres e melhorar o mapeamento de áreas contaminadas. Isso é essencial para que as pessoas retornem para suas casas com segurança, reconstruam suas vidas e se recuperem do conflito.

Também pedimos que o governo da Síria, grandes doadores e as organizações médicas reforcem a capacidade de atendimento emergencial, sistema de transferência de pacientes e os bancos de sangue. O apoio à reabilitação física, à saúde mental e aos serviços psicossociais é fundamental para ajudar os sobreviventes a se recuperarem da forma mais completa possível.

* De acordo com a International NGO Safety Organization.

Desde a queda do governo sírio anterior, em dezembro de 2024, MSF conseguiu ter acesso a novas áreas, incluindo a província de Deir ez-Zor, onde apoiamos instalações de saúde pública. Na cidade de Deir ez-Zor, MSF está apoiando a emergência do hospital nacional de Deir ez-Zor. Em Al-Bukamal, MSF abriu uma sala de emergência em colaboração com o Ministério da Saúde e está planejando serviços de cuidados obstétricos e neonatais, enquanto reabilita um hospital de médio porte que oferecerá serviços adicionais.

MSF conseguiu apoiar a reabertura do pronto-socorro do hospital nacional de Deir ez-Zor em 7 de abril, após a conclusão das reabilitações necessárias, e do pronto-socorro de Al-Bukamal, em 28 de maio.

Compartilhar