Malária: vivendo com um mal devastador

Mesmo sendo um mal evitável, doença mata um milhão de pesssoas em todo o mundo a cada ano. Crianças são principais vítimas

Durante a estação das secas, nós não vemos muitos casos de malária, mas na de chuvas podemos registrar até 50 casos por dia. Agora que a estação das chuvas está começando aqui, tenho certeza de que vamos ver muitas pessoas com malária.
Robert Aniku (25) coordenador clínico de MSF em Uganda

A malária mata cerca de um milhão de pessoas em todo o mundo a cada ano. As crianças africanas são as que mais sofrem – representam 75% de todas as mortes no mundo por malária. A cada 30 segundos, uma criança morre devido à doença. As mães também estão a perigo: nas áreas endêmicas, a malária é responsável diretamente ou indiretamente por 30% da mortalidade materna.

Mas essas mortes não deviam acontecer, uma vez que a malária é uma doença altamente evitável, detectável e tratável.

Todos os anos, MSF trata cerca de dois milhões de pacientes com malária em todo o mundo. Em quase todos nossos projetos em áreas tropicais, enfrentamos a doença, seja o programa voltado para HIV, saúde básica ou reprodutiva.

O que é a malária?
“Eu só tive malária uma vez. Foi em 2003. Eu estava muito, muito mal. Minha febre começou a meia-noite e, de manhã, eu já não conseguia mais andar. Não havia médicos na época, só alguns voluntários, mas nenhum médico de verdade. Meu irmão e minha mulher me levaram para o hospital. Meu irmão me levou na garupa da bicicleta dele ao hospital. Levamos oito horas para chegar lá e bebi cinco litros d'água durante a viagem. Quando cheguei, o médico me deu uma injeção. Eu estava urinando muito e com problemas na minha medula espinhal. Em seguida, fiquei inconsciente.
Martine Okeny, 40, Uganda

O mortal parasita da malária – plasmodium falciparum – entra no hospedeiro humano através da picada do mosquito Anopheles. Os sintomas da malária aparecem entre nove a 14 dias depois da mordida infecciosa do mosquito, apesar desse período variar conforme a espécie do plasmodium.

Tipicamente, a malaria provoca febre, dor de cabeça, ânsia de vômito e outros sintomas de gripe. É a grande causadora de faltas no trabalho e na escola. Nos casos mais graves, as crianças podem sofrer convulsões, anemia severa e, se sobreviverem, podem sofrer seqüelas neurológicas a longo prazo, como cegueira ou distúrbio da fala, afetando sua capacidade de se desenvolver e beneficiar da educação. Mulheres grávidas também são particularmente vulneráveis.

Se os medicamentos eficazes contra o parasita não estiverem disponíveis, a infecção pode progredir rapidamente e se tornar um risco para a vida do paciente.

Malaria é tratável: ACTs

Não há segredo sobre o melhor tipo de tratamento para a malária na África hoje. Medicamentos antigos como a cloroquina ou o sulfadoxine-pyrimethamine (SP, freqüentemente conhecido como Fansidar®) tornaram-se ineficazes quando usados sozinhos, em monoterapias, uma vez que o parasita da malária se tornou resistente a ação deles. Agora, a nova combinação de tratamento usando derivados de artemisinina como o artesunate lançaram-se ao desafio.

“Antes de trabalhar com MSF, eu usei cloroquina e Fansidar (SP) para tratar malária. Cinco entre dez dos meus pacientes não responderiam a esses medicamentos e eu os daria quinino e, se o caso fosse grave, eu faria uma aplicação intravenosa. Agora que trabalho com MSF, freqüentemente vejo pacientes que tomaram cloroquina e fansidar. Eles vêm para a clínica de MSF porque tomam esses medicamentos e não há melhora. Aqui, nós usamos os ACT, Coartem, é um grupo de medicamentos sem muitos efeitos colaterais, mas é muito caro".
Robert Aniku (25) coordenador clínico de MSF em Uganda

As vantagens de se usar terapias feitas a base da combinação de artemisinina (ACTs, na sigla em inglês) – baixa toxidade, tratamento amigável, ação rápida contra o parasita – são bem conhecidas e são amplamente comprovadas por cientistas.

E as ACTs receberam o selo de aprovação de primeira linha de tratamento também: em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMC) declarou que as ACTs são o método mais apropriado de tratar a malária. Em 2004, o Fundo Global anunciou que não financiaria mais tratamentos para a malária conhecidamente ineficazes. Hoje, dos 54 países africanos, 41 mudaram oficialmente seu protocolo de tratamento de primeira linha da malária para o uso de terapias de combinação de artemisinina.

MSF usa ACT em todos os seus programas e vem fazendo lobby para que as ACTs sejam usadas desde 2001, através da demonstração do alto nível de resistência dos medicamentos antigos atestados por vários estudos conduzidos na África.

Malaria é detectável: testes de rápido diagnóstico

Ferramentas de diagnóstico rápidas e precisas também estão disponíveis. Elas são essenciais para garantir que apenas o que precisam do tratamento recebam a prescrição dos medicamentos. Não usar as ferramentas de diagnóstico implica em tratar os pacientes com que você acha que eles têm, em vez do que com o que você sabe que a pessoa tem.

Hoje, algumas dessas ferramentas, incluindo exames de sangue como o Paracheck®, são adaptados para serem usados em áreas remotas – uma vez que são razoavelmente sólidos, fáceis de usar, dão resultados rápidos e simples de serem interpretados e não precisam de muito treinamento para serem usados ou qualquer equipamento pesado ou laboratório.

MSF usa o diagnóstico confirmado, seja através de testes rápidos ou por exame microscópico em laboratórios, em todos os seus programas de malária. No entanto, isso não acontece em muitos lugares.

“A maioria das pessoas que chegam à clínica têm malária. Nós diagnosticamos elas clinicamente, se eles têm febre ou calafrios, perda de apetite ou ânsia de vômito, então provavelmente é malária. Nós não fazemos exames de sangue. Nós acabamos de construir um laboratório, mas no momento não temos nenhum assistente laboratorial. Nós não usamos paracheck, eu os vi na clínica de MSF, mas não os temos aqui. O Ministério da Saúde diz que eles são muito caros".
Irene, enfermeira do Ministério da Saúde de Uganda

Malária é evitável

Apesar de alguns avanços promissores, uma vacina eficaz contra a malária ainda está longe de ser criada. Mas há outras maneiras de combater a malária. Dormir embaixo de mosquiteiros tratados com inseticidas pode salvar vidas. As casas também podem ser protegidas com inseticidas.

Infelizmente, muitas crianças, especialmente na África, continuam a morrer por conta da malária uma vez que elas não dormem protegidas por mosquiteiros –principalmente por conta dos custos. Um estudo realizado recentemente sobre o uso de mosquiteiros tratados com inseticidas nas casas revelou um baixo índice de uso de cerca de 5% em toda a África. No entanto, há agora sinais de progressos reais em alguns países africanos na tentava de popularizar a prática.

A malária é recorrente

Em 1998, uma parceria global foi estabelecida para combater a doença. A Iniciativa de Combate à Malária (RBM, na sigla em inglês) – lançada pela OMS, Unicef, Banco Mundial e outros – se propôs a diminuir pela metade a morte pela doença até 2010. O alvo ainda está muito longe de ser alcançado.

Na verdade, a situação está ficando cada vez pior. Nove anos após a criação da RBM, a maré ainda não virou contra a doença. Apesar de ser difícil estabelecer um quadro realista global após a chegada dos tratamentos ACT, a cada vez maior resistência aos tratamentos já existente indica que a disseminação da malária continua desenfreada.

“Eu trouxe minha filha aqui porque ela não está bem. Ela tem diarréia e febre alta. Quando chegamos aqui, pesaram ela e tiraram sua temperatura. Eles realizaram um exame de sangue e me disseram que ela tem malária. Agora tenho comprimidos diferentes para ele e estou muito feliz porque a minha filhinha vai ficar boa".
Betty Acayo (30) e sua filha Atimango Fioner Acayo (17 months), de Uganda

Basicamente, os efeitos desse diagnóstico e tratamento aprimorados da malária ainda tem de ser sentidos na maior parte dos lugares. Em vários locais onde MSF atua, ACTs são difíceis de ser conseguidos fora do projeto. A necessidade global de ACTs é estimada entre 300 milhões e 500 milhões de tratamentos.

No ano passado, no entanto, medicamentos para menos de 90 milhões de tratamentos foram comprados em todo o mundo.

O problema se estende aos diagnósticos: hoje, o diagnóstico de malária com base apenas nos sintomas e não por análise microscópica ou por testes, ainda é a regra em muitos lugares. Isso significa que erros são comumente realizados no diagnóstico e que as pessoas recebem medicamentos anti-malária mesmo sem estarem infectados. Um estudo realizado por MSF no sul do Sudão mostrou que sete entre dez casos podem ter sido erroneamente diagnosticados como malária. Tratar esses pacientes desnecessariamente com medicamentos contra a doença implica em ignorar as razões e o tratamento para a causa da febre que sentem. MSF garante que entre os mais de dois milhões de pacientes com malária tratados em seus projetos, todos foram corretamente diagnosticados pela primeira vez.

Apesar dessas ferramentas promissoras, as estáticas da malária ainda precisam ser desesperadamente lidas. MSF está realizando atualmente pesquisas sobre como, apesar da existência de medicamentos que funcionam, milhões de pessoas ainda morrem devido a essa doença curável.

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