Lacuna entre tratamentos de Aids fornecidos pela Europa e por países do Sul cresce

Sobrevivência em risco para 10 milhões de pessoas aguardando tratamento para Aids

Os líderes da área de Aids, reunidos hoje em Londres, enfrentam o intimidador desafio de implementar as novas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que sugerem o tratamento precoce com melhores medicamentos para o HIV, num momento em que os doadores estão retrocedendo na promessa de promover o “acesso universal”, alerta Médicos Sem Fronteiras (MSF).

A OMS lançou recentemente novas recomendações de tratamento para pessoas vivendo com HIV nos países em desenvolvimento. A implementação destas recomendações poderia preencher a lacuna existente entre os cuidados padrões fornecidos por países do norte e do sul.

“Nos programas de MSF, nós estamos nos esforçando para alcançar os padrões mais altos de cuidados, o que significa iniciar o tratamento com antirretrovirais mais cedo, dando a eles melhores chances de sobrevivência a longo prazo,” disse Ariane Bauemfeind, gerente de programa de MSF em Bruxelas. “Aguardo ansiosamente o dia em que eu não precise mais ver os pacientes sofrendo os dolorosos e debilitantes efeitos adversos do medicamento estavudina (d4t). A OMS recomenda substituir a estavudina por outros medicamentos. No entanto, nós observamos que os Ministérios de Saúde hesitam em fazer estas mudanças por conta do retrocesso no comprometimento dos doadores.”

Lesoto, apesar de ser um dos países mais pobres entre os afetados pelo HIV, já atualizou seus protocolos nacionais em 2008, reconhecendo os benefícios clínicos e financeiros do tratamento melhorado. MSF está trabalhando com o Ministério de Saúde em áreas rurais para garantir o acesso a um esquema superior de HIV/AIDS, incluindo uma iniciação precoce do esquema baseado no tenofovir.

A mudança dos protocolos de tratamento rumo a esquemas melhorados recomendados pela OMS pode ter um custo maior no curto prazo, mas são fundamentais no longo prazo para garantir melhores taxas de sobrevivência e maior controle da epidemia.

“Se as novas recomendações da OMS não forem implementadas, a comunidade internacional arrisca subsidiar tratamentos menos caros porém menos eficazes para os países em desenvolvimento”, afirmou Sharonann Lynch, consultora de políticas de HIV/Aids de MSF. “Evitar esse quadro depende do desejo dos doadores em adotar novos comprometimentos. Por mais que isto não seja fácil no cenário financeiro atual, os países doadores não podem retroceder no comprometimento, feito há cinco anos atrás, de promover o acesso universal ao tratamento.”

Em 2005, o grupo do G8 se comprometeu em apoiar o tratamento de Aids para todos que precisassem até 2010. Mas hoje, a OMS estima que apenas 4 milhões dentre os 14 milhões de pessoas precisando de tratamento para o HIV têm acesso a ele.

Muitos países africanos afetados pela epidemia dependem de financiamento externo para manter e aumentar os programas de tratamento de HIV. Mas o comprometimento dos financiadores está diminuindo. O Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para Alívio da AIDS (PEPFAR, na sigla em inglês) manteve seu nível de financiamento congelado nos últimos anos e reduziu seu comprometimento financeiro para ampliação de vagas para tratamento em alguns países. As mudanças nas prioridades dos doadores também geraram uma incerteza quanto ao apoio futuro do Fundo Global de Luta contra HIV/AIDS, TB e Malária. O Fundo Global, que por enquanto pagou por dois terços dos custos das pessoas atualmente recebendo tratamento para HIV/AIDS, precisa arrecadar pelo menos US$20 bilhões para os próximos três anos dos programas.

Por causa desta retração no financiamento, algumas instituições estão enfrentando a assustadora realidade do racionamento de vagas para tratamento e da necessidade de recusar pacientes nas portas das clínicas.

Como uma organização médico-humanitária, MSF proveu tratamento de HIV/AIDS que salvam vidas para mais de 140 mil pessoas em mais de 30 países.

Nota:

A estavudina, ou d4t, apresenta efeitos adversos penosos, perigosos e que dificultam a adesão ao tratamento; este medicamento não faz mais parte da terapia recomendada na Europa. Ainda assim, ela continua sendo um dos tratamentos de primeira linha mais comuns na África simplesmente por ser mais barato. O esquema de primeira linha mais robusto envolvendo o tenofovir (TDF), que faz parte das recomendações da OMS, permitiria aos pacientes continuar com seu tratamento de primeira linha por mais tempo, adiando a necessidade de se passar para os mais caros tratamentos de segunda linha.  

O tratamento recomendado pela OMS tem melhores resultados e reduz a incidência de TB e outras infecções oportunistas, ao mesmo tempo em que reduz a chance de transmissão do HIV. Há anos este tratamento é o protocolo padrão na Europa. Apesar disto, poucos países das regiões mais afetadas pelo HIV no planeta poderão mudar seus protocolos sem um sinal claro de um maior apoio internacional.

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