Israel usa deslocamento como tática de guerra psicológica e física em Gaza

Médicos Sem Fronteiras denuncia ação como parte de campanha de limpeza étnica

Uma família palestina montou um local sobre os escombros de sua casa destruída para viver, na cidade de Beit Lahia. Norte da Faixa de Gaza, 23 de fevereiro 2025. © Nour Alsaqqa/MSF

Forças israelenses continuam utilizando de maneira sistemática ordens de deslocamento emitidas de última hora como um instrumento de violência, transformando a Faixa de Gaza em um verdadeiro inferno na Terra para os palestinos.

Bombardeios ininterruptos, um bloqueio quase total de ajuda humanitária e ordens de deslocamento fazem com que centenas de milhares de pessoas tenham que se deslocar e fiquem encurraladas em espaços cada vez mais reduzidos.

Deslocamentos forçados são parte da campanha de limpeza étnica praticada pelas autoridades e forças israelenses em relação à população palestina, que não tem para onde ir.”

– Claire Manera, coordenadora de emergência de MSF

Médicos Sem Fronteiras (MSF) é testemunha de que o estado constante de alerta e a imprevisibilidade das ordens de deslocamento têm consequências devastadoras sobre a saúde mental das pessoas. O deslocamento forçado por meio das ordens de evacuação deve cessar imediatamente.

“As forças israelenses estão destruindo todos os meios de vida para os palestinos em Gaza por meio de táticas de guerra físicas e psicológicas. Deslocamentos forçados são parte da campanha de limpeza étnica praticada pelas autoridades e forças israelenses em relação à população palestina, que não tem para onde ir”, denuncia Claire Manera, coordenadora de emergência de MSF.

Desde o início da guerra, palestinos têm sido reiteradamente forçados a evacuar, muitos fugindo repetidas vezes, conforme a experiência vivida por muitos profissionais de MSF.

Estamos ficando sem opção para nos mantermos vivos.”

– Omar Alsaqqa, gerente de logística de MSF

Com a emissão de 31 ordens de evacuação desde que Israel rompeu o cessar-fogo em 18 de março, os recorrentes deslocamentos forçados encurralaram os palestinos em um ciclo de sofrimento interminável.

Em 19 de maio, uma única ordem de deslocamento de larga escala na região de Khan Younis abarcou 22% da faixa, afetando mais de 70 profissionais de MSF, enquanto outra, em 26 de maio, cobriu 40% do centro e sul de Gaza.

“Nossos colegas estão desesperados”, afirma Omar Alsaqqa, gerente de logística de MSF. “Não restaram mais barracas e nem espaço para que as pessoas as montem. Não sei o que responder quando colegas me perguntam para onde podem ir com seus filhos no meio da noite. Estamos ficando sem opção para nos mantermos vivos.”

Estas ordens de deslocamento e áreas militares onde o acesso da população é vetado cobrem agora cerca de 80% de Gaza, e nenhuma única região de Gaza foi poupada de ataques.

Família palestina deslocada voltando para se estabelecer na cidade de Beit Lahia. Norte da Faixa de Gaza, 17 de fevereiro de 2025. © Nour Alsaqqa/MSF

Nesta segunda-feira, 26 de maio, equipes de MSF trataram 17 pacientes após um ataque ocorrido muito próximo ao centro de saúde administrado pela organização em Khan Younis, na área central de Gaza, bem na região para onde as pessoas deveriam supostamente se deslocar.

A população evacua uma área e depois é alvo de bombardeios em um suposto “local seguro”. Cerca de 600 mil pessoas foram novamente deslocadas desde 18 de março.

“Eu despertei meus filhos e disse a eles que daríamos uma saída rápida. Eles começaram a chorar. Pegaram suas mochilas. Eu estava apavorada, mas tentei parecer calma, apesar de sentir o meu coração acelerar de medo”, explica Asmaa Abu Asaker, profissional administrativa de MSF, depois de uma ordem de deslocamento ter sido emitida em sua vizinhança.

 

Ordens de deslocamento imprevisíveis

As ordens são imprevisíveis e chegam com prazos ridiculamente curtos, colocando pessoas em situações inviáveis.

Elas chegam por meio de panfletos, notificações de rede social ou ligações telefônicas, informando um ataque iminente e dando às pessoas um tempo limitado para reunir seus pertences e buscar abrigo.

O próprio ato de forçar pessoas a fugir reiteradamente, muitas vezes no meio da noite, sem ter para onde ir e arriscando suas vidas, está tendo não só um impacto físico, mas causando danos psicológicos imensos.

 

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“Desta vez eu não quero juntar as minhas coisas. Sem malas, sem papéis, sem nada. Não sei o porquê, talvez minha postura mental esteja errada, mas simplesmente não consigo processar a ideia de abandonar minha casa novamente”, diz Sabreen Al-Massani, psicoterapeuta de MSF que já foi deslocada várias vezes.

“Começou uma nova luta, sem farinha e mantimentos. Eu tinha minha própria vida, de casa ao trabalho, trabalho a casa, uma vida normal. De repente, tive de viver com desconhecidos em um ambiente difícil, sem acesso a itens básicos, buscando água, lugar para carregar o telefone. Aí veio outra ordem de evacuação: toda nossa área foi atingida”, completa Sabreen Al-Massani.

 

Bombardeios sem aviso

Ao mesmo tempo em que as ordens de deslocamento forçam os palestinos a se aglomerar em áreas cada vez menores, as forças israelenses também têm feito ataques regulares sem emitir qualquer tipo de aviso.

Em 9 de abril, mais de 20 pessoas foram mortas em um bombardeio que teve como alvo um conjunto residencial de sete prédios na Cidade de Gaza. Entre os mortos estavam famílias de dois membros da equipe de MSF que estavam trabalhando quando os ataques ocorreram e ficaram sabendo depois que seus entes queridos estavam entre os escombros.

“Nós estamos em um estado constante de alerta; podemos receber a qualquer momento uma notificação para fugir. Não conseguimos dormir à noite achando que podemos ser os próximos”, afirma Al-Massani, descrevendo os impactos sobre a saúde mental dos palestinos.

MSF apela às forças israelenses para que cessem imediatamente os deslocamentos forçados e a campanha de limpeza étnica dos palestinos em Gaza. Também pedimos aos aliados de Israel que cessem seu apoio e cumplicidade.

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