Iraque: “Nós ajudamos, mas os médicos iraquianos são os que fizeram funcionar”

Nossas equipes e médicos iraquianos trabalham em conjunto em uma sala de emergência movimentada de um hospital em um bairro superlotado.

Iraque: "Nós ajudamos, mas os médicos iraquianos são os que fizeram funcionar"

Sian Geraty é especialista em medicina de emergência da África do Sul. Pelos últimos seis meses, ela tem trabalhado em Sadr City, um bairro lotado da capital iraquiana, Bagdá. Ela descreve como MSF ajudou a trazer ordem ao caos da sala de emergência de um hospital movimentado.  

“Quando as pessoas pensam em MSF, muitas vezes imaginam um grupo de médicos estrangeiros, lidando com emergências extremas e construindo hospitais num prazo muito curto para tratar pessoas cuja vida está ameaçada. Muito pouco se sabe sobre o seu trabalho por trás das manchetes, lidando com “emergências cotidianas”. Quando cheguei pela primeira vez em Sadr City, em meados de 2018, entendi imediatamente como essa dimensão do nosso trabalho é tão importante quanto o resto das coisas que fazemos.

Sadr City é um subúrbio de 30 quilômetros quadrados situado no noroeste de Bagdá. Foi construído no final dos anos 1950, em resposta à grave falta de moradia na cidade. O objetivo era fornecer alojamento para os pobres urbanos de Bagdá, muitos dos quais tinham vindo do campo para trabalhar e que viviam em condições terríveis.

Quase 60 anos depois, Sadr City é um bairro superlotado que abriga cerca de 3,5 milhões de iraquianos. Existem apenas quatro hospitais para atender essa população. MSF começou a apoiar um desses hospitais no final de 2017, uma instalação de 240 leitos chamada Hospital Imam Ali.

“A sala de emergência atende 20.000 pacientes por mês”
No ano passado, a sala de emergência do hospital Imam Ali recebeu uma média de 20.000 pacientes por mês. Isso significa que os médicos tratam até 700 pessoas por dia. É uma carga enorme de pessoas para um hospital de tamanho normal.

O elevado número de pacientes é devido a vários fatores, incluindo a disponibilidade limitada de serviços e altas taxas de acidentes e doenças. Os centros de saúde primária em Sadr City geralmente fecham no início da tarde, o que significa que as pessoas tendem a ir direto para a emergência. Alguns pacientes também acham que receberão melhor tratamento lá.

O ambiente em que as pessoas vivem também desempenha um grande papel quando se trata de explicar o surpreendente número de pacientes. O trânsito nas ruas é caótico e os acidentes são frequentes. As condições de vida também não são ideais, o que explica por que os médicos têm de tratar tantos casos cardíacos difíceis e outras doenças não-transmissíveis. Além disso, o distrito de Rusafa, onde Sadr City está localizada, teve a maior incidência de casos de tuberculose em todo o Iraque em 2017.

A sala de emergência do Imam Ali é composta por médicos iraquianos, em seus primeiros anos de prática, sob a supervisão de um único especialista em emergência. Todos os dias, eles lidam com centenas de pacientes que os procuram para receber tratamento urgente. Em um ambiente em que ameaças aos médicos são relativamente frequentes, e onde as coisas podem rapidamente se tornar caóticas, esses médicos lutam para trabalhar com o melhor de suas habilidades, e priorizar os casos pode rapidamente se tornar um desafio.

“Por que a triagem é importante?”
Uma equipe de MSF visitou pela primeira vez o hospital Imam Ali em 2017 e imediatamente propôs melhorar a maneira como a sala de emergência funcionava. Começamos fornecendo doações de equipamentos para o hospital e passamos a renovar toda a sala de emergência. Nós tínhamos sugerido a implementação de um sistema de triagem, o que significava adaptar o layout do departamento.

Triagem – a priorização dos tratamentos dos pacientes com base na gravidade de sua condição – ainda não está implementada na maioria das instalações médicas no Iraque. Estávamos confiantes de que um sistema de triagem ajudaria consideravelmente todo mundo no hospital, tanto médicos quanto pacientes.

Treinamos mais de 80 médicos e enfermeiros de emergência em como classificar corretamente os pacientes usando um código de cores simples: ‘verde’ para pacientes com lesões ou condições médicas não graves; ‘amarelo’ para pacientes que estão gravemente feridos ou doentes, mas em uma condição que não é imediatamente fatal; e ‘vermelho’ para pacientes que necessitam de atenção médica imediata.  

“Médicos e enfermeiros se tornaram donos do novo sistema”
Quando a nova sala de emergência do hospital Imam Ali foi aberta em dezembro de 2018, médicos e enfermeiras estavam prontos para trabalhar com o novo sistema. Desde então, o caos que foi um desafio diário tornou-se muito mais administrável. Médicos e enfermeiros realmente adotaram esse novo sistema e se tornaram donos dele.

Nós estávamos um pouco preocupados sobre como os pacientes reagiriam a isso – nunca é fácil mudar os hábitos das pessoas. Nós nos reunimos com a comunidade para explicar porque estávamos implantando esse sistema, e o feedback deles foi muito positivo.

A triagem significa que os pacientes são separados assim que chegam à sala de emergência e que as pessoas que estão gravemente doentes não precisam esperar na fila para serem atendidas.  O departamento ainda está lotado e muito movimentado, mas esse novo sistema definitivamente trouxe mais estrutura. Os médicos geralmente se sentem menos estressados, e alguns enfermeiros me disseram que gostam mais de trabalhar desde que esse novo sistema foi implementado.

Nossa equipe – composta por um médico de emergência, um gerente de atividades de enfermagem, um tradutor e um mobilizador comunitário – ainda está em Sadr City. Todos os dias, trabalhamos de mãos dadas com a equipe médica do departamento para oferecer os melhores serviços e cuidados possíveis a centenas de pacientes.

Enquanto alguns membros da equipe de MSF explicam como a triagem funciona para as pessoas que entram, outras fornecem apoio técnico aos médicos iraquianos, que geralmente apreciam a orientação que podemos dar. Em geral, eles nos agradecem pelas mudanças que fizemos, mas eu sempre digo a eles que, enquanto ajudamos, são eles que fizeram funcionar.”
 

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