Índia diz “NÃO” a políticas que bloqueariam o acesso a medicamentos mais baratos

As medidas estavam sendo negociadas no acordo de livre comércio com a União Europeia

A Índia anunciou oficialmente na Cúpula das Nações Unidas sobre a Aids, realizada de 8 a 10 de junho, que não aceitará a exclusividade de dados, disposição prejudicial ao acesso a medicamentos mais baratos e que fazia parte de um acordo de livre comércio com a União Europeia, atualmente em fase de negociação. Segundo a organização internacional médico-humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), apesar de essa ser uma importante vitória para o movimento global contra os potenciais efeitos negativos do acordo sobre o acesso a medicamentos, ainda existem medidas perigosas sendo discutidas.

“MSF e outros fornecedores de tratamento dependem de um fluxo sustentável de genéricos acessíveis da Índia para tratar as pessoas em países em desenvolvimento. Dizer ‘não’ à exclusividade de dados irá ultrapassar a fronteira da Índia no sentido de garantir o acesso a medicamentos mais baratos em países em desenvolvimento”, disse o Dr. Tido Von Schoen-Angerer, diretor executivo da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais (CAME) de MSF. “Esta é uma grande vitória, mas nós não vamos parar até vermos todas as disposições prejudiciais fora da pauta de discussão”.

Ao atrasar o registro de versões genéricas de medicamentos em até dez anos, a exclusividade de dados teria efetivamente colocado a empresas num patamar oculto de monopólio, inclusive para medicamentos que não podem ser patenteados de acordo com a lei da Índia. Esta cláusula, que foi criticada por organizações globais que atuam na área da saúde, como o Fundo Global, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS, sigla em inglês) e a Central Internacional de Compra de Medicamentos (UNITAID, na sigla em inglês), ameaçava limitar ainda mais a concorrência de genéricos na Índia, que fez com que o preço de medicamentos contra o HIV caísse 99% nos últimos dez anos.

O anúncio da Índia na Cúpula da ONU mostrou que tanto o país quanto a União Europeia confirmaram oficialmente que a exclusividade de dados não será parte do texto do acordo de livre comércio. MSF está agora pedindo à Europa que remova outras cláusulas prejudiciais nas negociações do acordo.

“A Europa ainda está protelando as disposições relativas à propriedade intelectual, que são motivo de grande preocupação para compradores e fornecedores de medicamentos, como MSF. Elas nos põem em risco de litígio ou restrições judiciais que podem nos impedir de levar os medicamentos aos pacientes”, disse Michelle Childs, diretor da Came.

Ao permitirem que detentores de patente atinjam todas as pessoas envolvidas na produção, manufatura e entrega de medicamentos suspeitos de infringir direitos de propriedade intelectual, essas disposições podem arrastar fornecedores de tratamento, como MSF, para disputas legais, e aumentar o risco de medicamentos serem apreendidos na fronteira da Índia.

Outra área de preocupação é o capítulo sobre investimentos no acordo, que inclui medidas para proteger os interesses comerciais de empresas estrangeiras investindo na Índia. Empresas farmacêuticas teriam o direito de burlar os tribunais da Índia e processar o governo indiano em painéis secretos de arbitragem que não fazem um balanço entre saúde pública e lucro privado. Isto pode levar o governo da Índia a enfrentar longas batalhas judiciais por indenizações milionárias se, por exemplo, uma empresa ver sua patente ou seus direitos autorais (seu investimento) ameaçados pelas ações do governo – mesmo se essas ações sejam meios legais de proteger a saúde pública.

“Recentemente, na Cúpula da Aids, governos – inclusive governos europeus – se comprometeram a estender o tratamento de HIV a 15 milhões de pessoas até 2015”, disse Michelle Childs. “Mas ao mesmo tempo, a Europa também está negociando políticas que vão limitar o acesso a versões mais baratas de novos medicamentos importantes. Isto é inaceitável. A União Européia precisa rejeitar as outras cláusulas prejudiciais à saúde pública”.

Em 2010, MSF lançou a campanha “Europa, tire as mãos dos nossos medicamentos”, para exigir que a União Europeia rejeite políticas que prejudiquem o acesso a medicamentos, como parte de um acordo de livre comércio entre a União e Índia. MSF oferece tratamento antirretroviral a 170 mil pessoas vivendo com HIV/AIDS, e mais de 80% dos medicamentos utilizados vêm de produtores de genéricos na Índia.

Em março de 2011, cerca de 4 mil pessoas de vários países asiáticos com HIV/Aids e outras doenças potencialmente fatais realizaram uma passeata nas ruas de Nova Délhi para protestar contra o impacto que o acordo de livre comércio teria em medicamentos mais baratos.

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