HIV/Aids: acesso universal na América Latina e Caribe é discutido em evento, em Brasília

Michel Lotrowska, profissional de MSF, aponta obstáculos e recomendações para atingir o acesso universal à prevenção, tratamento e assistência do HIV/Aids. Estas recomendações serão apresentadas em maio à Assembléia Geral da ONU

Michel Lotrowska, representante no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de Médicos Sem Fronteiras participou da primeira 'Consulta Regional: em direção ao acesso universal à prevenção, tratamento e assistência do HIV/Aids na América Latina e Caribe', em Brasília, de 12 a 14 de janeiro.

Que instituições participaram do encontro?

Participaram 19 diretores de Programas de Aids dos países da América Latina, representantes de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/Aids (UNAIDS), o Unicef, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e representantes de redes da sociedade civil na América Latina.

Qual foi o principal objetivo deste encontro?

Sair das grandes teorias globais e partir para o concreto; levantar os obstáculos e fazer recomendações. Cada um falou dos problemas do seu país e das principais dificuldades ao acesso universal ao tratamento e prevenção do HIV/Aids.

Que obstáculos foram levantados você gostaria de destacar?

Um obstáculo muito debatido foi a invisibilidade da América Latina dentro das agências de cooperação internacional e nos fóruns de negociação para recursos. Como a Aids atinge muito mais a África, a América Latina acaba sendo negligenciada pelas agências internacionais de fomento no campo da Aids.

Um outro obstáculo levantado foi o alto custo dos insumos, tanto para a prevenção como para os diagnósticos e os tratamento. Com mercados nacionais pequenos ou médios e com indicadores de renda média, os preços de medicamentos, por exemplo, são altos e um país sozinho não tem poder de barganha suficiente. Preços ditos “humanitários” aplicados às vezes pelas empresas também não são os praticados nos países da América Latina.

Qual é a importância deste encontro?

Este encontro, organizado pelo Grupo de Cooperação Técnica Horizontal da América Latina e do Caribe, foi a primeira reunião regional a discutir a forma como os países da região pretendem atingir o acesso universal ao tratamento e prevenção para Aids até 2010. A meta da universalidade foi determinada na última reunião do G8 (grupo que reúne os Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Itália e a Rússia), em julho de 2005.

Concretamente, no encontro se definiu as diversas recomendações que serão apresentadas na Assembléia Geral da ONU.

Quais recomendações você gostaria de destacar?

Em nível global, foram feitas recomendações para a criação de um instrumento de certificação para avaliar o acesso universal de cada país, um órgão que pudesse avaliar de que forma os povos estão tendo acesso ao tratamento e à prevenção.

Outra recomendação diz respeito aos orçamentos nacionais, que devem ser mais direcionados para a prevenção.

E regionalmente?

Em nível regional, pretende-se buscar aliados, como as agências internacionais por exemplo, para vasculhar todos os acordos econômicos e políticos em busca de melhores preços.

Também foi recomendado manter e fortalecer uma resposta regional na negociação de preços e realizar compras em nível regional ou sub regional, como estratégia para baixar o preço. Isso é um desafio muito grande, porque todo mundo teria que comprar junto, e aí esbarramos na questão de patentes.

Uma outra recomendação que eu gostaria de expor é a busca de estratégia de solução de patentes, que tem relação direta com o custo de antiretroviral de segunda linha. Durante esta discussão, todos os grupos chegaram a mesma conclusão: é só ampliar a rede regional tecnológica e multisetorial, composta por governo e sociedade civil, para garantir a transferência tecnológica de produção local e regional de insumos estratégicos tanto para diagnóstico, quanto para prevenção e tratamento.

Foi debatido algum outro assunto que queira comentar?

Em países com projetos de universalização do acesso, o desafio encontra-se nos grupos marginalizados e vulneráveis. Esses variam de país para país, mas quase sempre incluem minorias sexuais, populações muito pobres, muitas vezes isoladas geograficamente, populações encarceradas, usuários de droga, etc. O desafio é lutar contra o estigma e a discriminação e trazer essas populações para dentro do sistema de saúde.

Um outro ponto importante foi a falta de uma integração entre os diferentes setores ao lidar com a epidemia. Todo o processo fica concentrado com o Ministério da Saúde e os pacientes são tratados apenas como 'seres biológicos'. É necessário trabalhar as questões sociais, psicológicas, econômicas e antropológicas das pessoas para dar conta da epidemia, tanto do ponto de vista da prevenção como do tratamento.

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Discutimos também a questão dos acordos do comércio e do livre comércio regional ou bilateral, que impedem cada vez mais o uso das flexibilidades do Acordo Trips, da licença compulsória etc.

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