Guerra na Ucrânia deixa cidades em ruínas e abrigos superlotados

Cidades destruídas por bombardeios e a falta de acesso a cuidados de saúde deixam milhares de pessoas em situação crítica enquanto buscam segurança

Centro de apoio para deslocados na região de Dnipropetrovsk (leste da Ucrânia). @ Julien Dewarichet/MSF

A invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia se aproxima do quarto ano, e os combates se intensificam, deixando comunidades próximas à linha de frente na região de Dnipropetrovsk com pouco ou nenhum acesso a serviços de saúde. As estradas usadas para evacuação das pessoas são frequentemente alvo de ataques, cidades são reduzidas a escombros e o número de vítimas civis aumentou drasticamente em 2025.

Um ataque em Pokrovske, em 29 de setembro, ilustra a gravidade da situação: equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estavam prestando atendimento a pacientes na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital mais próximo quando o prédio tremeu com as explosões. Pouco depois, oito pessoas chegaram com ferimentos por estilhaços, traumas nos membros e lesões cerebrais, e foram estabilizadas no local. “É disso que as pessoas estão fugindo”, explica Ivan Afanasiev, médico de MSF.

 

Milhares de pessoas continuam fugindo das áreas de conflito, e a região de Dnipropetrovsk tornou-se um importante centro de apoio, mas os abrigos para deslocados estão superlotados. Entre julho e agosto, quando o número de pessoas deslocadas começou a aumentar, um dos maiores abrigos recebia cerca de 500 pessoas por dia, apesar de ter capacidade para apenas 140.

As equipes de MSF estão trabalhando por meio de clínicas móveis nesses abrigos para fornecer consultas médicas e apoio psicológico, principalmente para pessoas idosas. Desde abril de 2025, as equipes de MSF trataram mais de 1.400 pacientes, mas estamos testemunhando um número crescente de necessidades e casos cada vez mais graves. Por esse motivo, aumentamos a frequência das visitas e expandimos a assistência médica para outros locais onde as pessoas estão chegando.

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Minha cidade, Kostiantynivka, está em ruínas. Não sobrou nada: sem água, sem gás, sem polícia, sem bombeiros.”

Valerii Bureiko, deslocado pela guerra na Ucrânia

“Minha cidade, Kostiantynivka, está em ruínas. Não sobrou nada: nem água, nem gás, nem polícia, nem bombeiros”, diz Valerii Bureiko, 68 anos de idade, que chegou a um ponto de apoio apoiado por MSF com sua esposa e sua sogra, uma mulher de idade avançada e acamada. “Por isso, decidimos sair. É mais fácil para pessoas mais jovens, mas na nossa idade não conseguiríamos construir nada em um novo lugar, então foi uma decisão muito difícil.”

As pessoas estão sendo deslocadas à medida que cidades e vilarejos se transformam em cidades fantasmas com ruas vazias, árvores queimadas por explosões, prédios danificados e inabitáveis, sem acesso à saúde.

Em agosto de 2023, as forças russas atacaram Pokrovsk. Um prédio residencial foi atingido por dois foguetes em um intervalo de 15 minutos. @ Yuliia Trofimova/MSF

Muitas pessoas são obrigadas a fugir a pé, caminhando de 15 a 20 quilômetros por terrenos difíceis sob ataques de drones.”

Ivan Afanasiev, médico de MSF que trabalha nos abrigos

Equipes de MSF reformaram hospitais em Dnipro, na região de Dnipropetrovsk, e na região de Donetsk em 2022, permitindo que continuassem funcionando mesmo com o avanço da guerra. Hoje, muitos desses hospitais estão danificados, destruídos ou abandonados.

Nos últimos três meses, hospitais em cidades como Kostiantynivka, Mezhova e Sviatohirsk deixaram de operar. Desde 2022, as equipes de MSF foram obrigadas a deixar seis hospitais e bases de ambulância, e a se retirar de diversas regiões onde fazíamos clínicas móveis devido à proximidade ou ataques diretos de bombardeios.

“Muitas pessoas são obrigadas a fugir a pé, caminhando de 15 a 20 quilômetros por terrenos difíceis sob ataques de drones, muitas vezes atravessando regiões que podem ter minas terrestres, apoiando-se em bengalas ou muletas”, diz Ivan Afanasiev, médico de MSF que trabalha nos abrigos. “A maioria são pessoas entre 60 e 70 anos ou mais, já enfraquecidas por condições crônicas não tratadas, como hipertensão, diabetes ou asma, além de desnutrição e anemia.”

Tetiana Semenova, promotora de saúde de MSF, leva Nadiia para dar um passeio pelo abrigo, antes de sua consulta na clínica móvel. @ Yuliia Trofimova/MSF

As condições nos abrigos variam: alguns são montados em tendas com fileiras de camas de campanha; outros funcionam em antigas escolas, centros culturais, dormitórios ou estações de trem.

Duas bombas caíram na minha casa. Tudo ficou cheio de fumaça.”

-Liubov Cherniakova, deslocada pela guerra na Ucrânia

Nossas equipes atendem pacientes com fraturas e ferimentos por estilhaços que ficaram sem tratamento. Alguns chegam com feridas abertas e infectadas, com larvas. Outros chegam aos centros de trânsito apresentando dores no peito ou outros sintomas relacionados ao estresse, que podem indicar ataques cardíacos. Muitos também apresentam pneumonia e sintomas agudos de asma.

“Duas bombas caíram na minha casa. Tudo ficou cheio de fumaça”, diz Liubov Cherniakova, 72 anos de idade, sentada em sua cama em um abrigo lotado. “Eu corri para fora, caí em um buraco e não conseguia me levantar. Hera, esse é o nome da minha cachorra, voltou para me buscar, puxou-me pelo colarinho, mordeu e me lambeu para me trazer de volta à consciência. Quando abri os olhos, vi como ela estava feliz por eu estar viva”, relembra ela, que vivia em uma pequena cidade perto de Kurakhove.

Mesmo depois de deixarem as regiões da linha de frente, as pessoas não se sentem seguras nestes centros de trânsito. As cidades que funcionam de pontos de evacuação são frequentemente alvo de ataques com drones e mísseis. Pavlohrad, onde se localizam os grandes centros de trânsito próximos à linha de frente, é bombardeada repetidamente. A maioria das pessoas deslocadas continua a sua viagem para oeste, permanecendo apenas por curtos períodos nos centros.

 

Trabalho de MSF no leste da Ucrânia

MSF trabalha em três locais nessa região, incluindo Pavlohrad e a estação ferroviária. Em setembro de 2025, o maior centro de apoio de Pavlohrad chegou a receber até 500 pessoas por dia.

As equipes de clínicas móveis de MSF atendem pacientes que ficaram meses sem acesso a medicamentos para condições como hipertensão, diabetes tipo 2 e asma.

Segundo o ACNUR, mais de 190 mil pessoas fugiram para áreas mais seguras na Ucrânia somente neste ano, somando-se a milhões já deslocados desde a invasão em grande escala em 2022 e desde o início do conflito armado internacional no leste em 2014.

 

 

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