Grave crise hídrica no norte da Síria apresenta sérios riscos à saúde da população

Equipes de MSF estão testemunhando um grande aumento no número de casos de doenças transmitidas pela água devido às lacunas nos serviços de água e saneamento na região.

Grave crise hídrica no norte da Síria apresenta sérios riscos à saúde da população

As pessoas estão enfrentando uma situação desesperadora no norte da Síria, já que o acesso limitado à água potável atingiu o limite nos últimos meses. Uma década de guerra deixou a infraestrutura de água e saneamento destruída e negligenciada. Hoje, mais de três milhões de pessoas, a maioria deslocada pelo conflito, estão sofrendo consequências terríveis.

“Mesmo quando a água está disponível e acessível para as pessoas no norte da Síria, às vezes é insegura e contaminada”, disse Ibrahim Mughlaj, promotor de saúde de MSF no noroeste da Síria. “Somos regularmente confrontados com o impacto da má qualidade da água na saúde, que muitas vezes traz doenças transmitidas pela água e outros problemas de saúde para os acampamentos, como diarreia, hepatite, impetigo, sarna e muitos outros”, diz ele.

“Enquanto o Noroeste atualmente testemunha um aumento alarmante de casos de COVID-19, o acesso limitado à água também dificulta seriamente as medidas de higiene essenciais para a prevenção e o tratamento do vírus”, destaca Mughlaj.

Em todo o norte da Síria, os atores humanitários estão tentando preencher as lacunas e responder às muitas necessidades, mas a acessibilidade geral às instalações com serviços de água e saneamento continua sendo um problema, principalmente por causa da diminuição do financiamento para essas atividades. As operações de água, saneamento e higiene atualmente representam apenas 4% do orçamento de resposta humanitária para toda a Síria, o que é menos de um terço do que foi gasto no ano passado para as mesmas atividades.

O impacto da diminuição do financiamento

No noroeste da Síria, essa redução no financiamento levou muitas organizações a interromperem as atividades de transporte de água em vários acampamentos. Áreas como Deir Hassan, por exemplo, foram fortemente impactadas por essa redução de serviços. Desde maio de 2021, o número de casos de doenças transmitidas pela água aumentou tremendamente na área. “Apenas entre maio e junho de 2021, que é o período em que algumas dessas atividades foram interrompidas, as doenças transmitidas pela água aumentaram em 47%”, disse Teresa Graceffa, coordenadora-médica de MSF para a Síria.

Em julho de 2021, nossas equipes notaram casos crescentes de diarreia em mais de 30 acampamentos na província de Idlib e também detectaram casos frequentes de sarna e outras doenças transmitidas pela água durante suas consultas em campos de deslocados.
Desde o início do ano, 28% do total de consultas em um hospital apoiado por MSF na província de Idlib foram relatados como casos de diarreia aquosa aguda. Como resultado, lançamos uma resposta de emergência temporária e instalamos um Ponto de Reidratação Oral no hospital para cuidar de pacientes com desidratação leve a moderada e para informar, sensibilizar e educar as pessoas sobre como prevenir a propagação da diarreia.

“Mas este não é um problema isolado”, disse o dr. Mohammed El-Mutwakil, coordenador de projeto de MSF. “É um desafio recorrente que nossas equipes enfrentam devido a um problema estrutural que só piora com o tempo, conforme o financiamento para essas atividades diminui”.

No nordeste da Síria, as pessoas também foram significativamente afetadas por doenças de veiculação hídrica, além do aumento da insegurança alimentar, e correm maior risco de desnutrição devido à piora na qualidade da água e à redução de sua disponibilidade. Um centro de saúde primário apoiado por MSF em Raqqa relatou que o número de casos de diarreia em maio de 2021 foi 50% maior do que em maio de 2020.

Em Hassakeh, um milhão de pessoas enfrentaram a redução do acesso à água por quase dois anos devido a interrupções repetitivas e sustentadas no abastecimento da estação de água de Alouk, que está sob o controle das autoridades turcas. Além disso, a população no nordeste da Síria é afetada pela forte diminuição no volume de água fluente no rio Eufrates, que é a fonte hídrica mais significativa para a região.

Preenchendo a lacuna

O número insuficiente de instalações de água e saneamento muitas vezes leva as pessoas a recorrerem a mecanismos de enfrentamento inseguros. “Às vezes, nós mesmos compramos água”, diz Hussain Muhammad, que vive atualmente em um acampamento de deslocados na província de Idlib. “Mas quando não podemos, temos que esperar pelo apoio de organizações humanitárias. E se não vier,  durante o inverno colocamos panelas embaixo da chuva para coletar água”, diz.

“Como os telhados e as barracas são sujos, a água fica poluída e torna-se imprópria para beber ou tomar banho. É água calcária e contém areia. Quando usamos essa água, meu filho de um ano desenvolveu uma doença renal. Disseram-me para comprar água engarrafada para ele, mas não pude pagar”.

Em resposta a essa crise aguda, nossas equipes desenvolveram uma resposta abrangente de atividades de água, saneamento e higiene, adotando uma abordagem de preenchimento de lacunas para cobrir as necessidades das pessoas no norte da Síria ao longo dos 10 anos de conflito.

Na primavera de 2021, conforme as  falhas no financiamento se tornaram mais evidentes, decidimos expandir temporariamente nossas atividades de água e saneamento. “Dobramos o número de acampamentos que cobrimos na província de Idlib”, disse Ousama Joukhadar, coordenador de logística de MSF para a Síria.

Atualmente, estamos administrando serviços de água e saneamento em cerca de 90 campos no noroeste da Síria, atingindo cerca de 30 mil pessoas deslocadas. As atividades realizadas por nossas equipes incluem distribuição de kits de higiene, transporte e tratamento de água, coleta de lixo, redes de água e esgoto, construção e reabilitação de latrinas, além de iniciativas de promoção de saúde na comunidade.

E no nordeste, também respondemos com transporte de água potável adicional na cidade de Hassakeh e aumentamos a resposta à desnutrição em Raqqa. “Mas todas essas iniciativas não são soluções permanentes”, disse Benjamin Mutiso, coordenador de projeto de MSF. “Ainda há muitas pessoas que sofrem as consequências da falta de acesso à água potável, e nos encontramos em uma situação em que não podemos atender a todas as necessidades”.

“As lacunas de financiamento continuam a aumentar, a distribuição de água às vezes é politizada, enquanto MSF e outras organizações não conseguem preencher todas as faltas”, diz Mutiso. “A saúde das pessoas está em risco e elas não conseguem sobreviver se não tiverem acesso ao básico. Os principais doadores devem acelerar a alocação de fundos e garantir a continuidade das atividades de água e saneamento essenciais para a sobrevivência das pessoas no norte da Síria”.

 

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