Gaza: mais palestinos são feridos e mortos enquanto buscam comida

Equipes de MSF atenderam 77 feridos e receberam oito mortos em clínica no norte do território, no último dia 30 de julho

Samah Hamdan, uma mulher palestina deslocada que recebe cuidados na clínica de Mawasi, após arriscar a vida por um punhado de comida. Faixa de Gaza, 19 de junho de 2025. ©Nour Alsaqqa/MSF

A distribuição de alimentos na Faixa de Gaza continua ferindo e matando palestinos. No dia 30 de julho, quando civis se aproximaram de caminhões que distribuíam ajuda humanitária nas proximidades de Zikim, no norte do território, forças israelenses abriram fogo. Na clínica Sheikh Radwan, apoiada por Médicos Sem Fronteiras (MSF), nossas equipes atenderam 77 pessoas feridas e receberam oito mortos.

Segundo o Ministério da Saúde local, em toda a região norte de Gaza, quase 600 pessoas foram tratadas por ferimentos semelhantes, resultado da violência e do caos ocorrido naquela noite, enquanto os caminhões passavam.

Forças israelenses obrigaram o motorista a continuar dirigindo, mesmo com pessoas por toda parte ao seu redor. […] Havia tanta gente que as pessoas foram atropeladas.”

– Paciente atendido em uma unidade apoiada por MSF

“Pessoas ficaram feridas pelos disparos e também no meio da aglomeração, quando a multidão entrou em pânico e houve correria. Esses incidentes mortais se tornaram uma realidade diária em Gaza há muito tempo. Os métodos atuais de distribuição estão provocando caos e massacres”, alerta Caroline Willemen, coordenadora de projeto de MSF em Gaza.

“A comida continua criticamente escassa, e há poucos indícios de que a ajuda chegará em quantidade suficiente e de forma consistente. Como resultado, todos os dias, pessoas arriscam suas vidas em uma busca desesperada por alimentos”, completa Caroline Willemen.

 

Depoimento de paciente atendido em uma unidade apoiada por MSF, após se ferir durante uma distribuição de alimentos em Zikim, em 25 de julho:

“Tentei ir a Zikim na quinta-feira, 24 de julho, para buscar farinha. Esperei lá a noite toda, mas não consegui nada. No dia seguinte, decidi tentar novamente. Meu pai não queria que eu fosse, porque da última vez que fui, vi muitas pessoas mortas pelos bombardeios e tiros de tanques. Mas temos 10 pessoas na minha família, então fui sem contar a eles.

Quando os caminhões entraram, a princípio estavam em alta velocidade, mas depois diminuíram por causa da grande multidão. Quando os caminhões fizeram uma curva, alguns dos sacos de 50 kg de farinha caíram, ferindo pessoas.

As forças israelenses obrigaram o motorista a continuar dirigindo, mesmo com pessoas por toda parte ao seu redor. O motorista tentou dar ré para sair da área, mas havia tanta gente que as pessoas foram atropeladas.

Leia também:
• Em Gaza, uma em cada quatro crianças e grávidas atendidas por MSF tem desnutrição
• MSF e mais de 100 organizações denunciam uso da fome como arma de guerra em Gaza

Havia outros sete jovens comigo, todos foram mortos quando o caminhão deu ré. Eu estava sentado com as pernas esticadas à frente. Uma delas coçava, então dobrei a perna, trazendo-a para perto do meu corpo. Essa foi a única razão pela qual apenas uma das minhas pernas foi atropelada pelo caminhão.

Uma mulher veio me ajudar. Pegou um xale para tentar estancar o sangramento, mas não conseguiu me carregar. Vi um amigo e ambos ajudaram a me carregar, me tranquilizando.

Em determinado momento, perdi a consciência. Não conseguíamos transporte. As pessoas acharam que eu estava morrendo e não queriam me levar de carro, até que encontramos um tuktuk (pequeno transporte) para me levar ao posto médico de Hamad. Jogaram água no meu rosto para me manter acordado.

No posto médico, enrolaram minha perna com madeira de um palete e a prenderam com uma camisa, pois não havia material disponível. No posto médico, vi pessoas com ferimentos a bala e pessoas que haviam sido feridas em brigas. Algumas morreram esmagadas pela multidão.

Continue lendo:
• Gaza: “Ajuda humanitária por via aérea é ineficaz e beira cinismo”

Me feri às 5 horas da tarde, mas só cheguei ao hospital Al Shifa às 11 horas da noite. A unidade estava lotada, com pacientes por toda parte. Tive que esperar até às 3 horas da manhã para realizar uma cirurgia.

Agora que estou ferido, não há muitas opções para minha família. Meu irmão mais velho passa o dia todo fazendo bicos, ajudando pessoas a carregar coisas, tentando ganhar algum dinheiro. Meu pai tenta alugar o carro que temos para ganhar alguma renda. Alguns dias conseguimos um pouco de pão, outros dias não encontramos nada. Mas nenhum de nós voltará para Zikim.

Meu sonho é que tudo isso acabe e possamos reconstruir a casa e o negócio do meu pai que foi destruído.”

Compartilhar

Relacionados

Como ajudar