Fungo cerebral está matando milhares de pessoas que vivem com HIV, enquanto SAHPRA hesita com o registro da cura

No Dia Mundial de Combate à AIDS, MSF apela por registro de medicamento vital para tratamento da meningite criptocócica na África do Sul; pedido está pendente desde dezembro de 2019

Foto: Albert Masias/MSF

Milhares de mortes por uma infecção fúngica do cérebro chamada meningite criptocócica (MC) poderiam ser evitadas todos os anos na África do Sul se um medicamento antifúngico, a flucitosina, estivesse amplamente disponível. A doença afeta, principalmente, pessoas com o sistema imunológico enfraquecido devido ao HIV. No entanto, o pedido de registro da flucitosina está pendente na Autoridade Reguladora de Produtos de Saúde da África do Sul (SAHPRA, na sigla em inglês) desde dezembro de 2019. Para salvar vidas e prevenir o sofrimento desnecessário causado pela MC, Médicos Sem Fronteiras (MSF) e a Treatment Action Campaign (TAC, na sigla em inglês) estão fazendo um apelo para que a SAHPRA (agência equivalente à Anvisa no Brasil) registre a flucitosina.

A MC é responsável por cerca de 181 mil mortes por ano, principalmente de pessoas que vivem com HIV no continente africano. A flucitosina, em combinação com a anfotericina B, reduz significativamente as mortes entre os pacientes de HIV diagnosticados com MC. No entanto, a flucitosina não está registrada em nenhum país do continente atualmente, incluindo a África do Sul, onde normalmente é substituída pelo fluconazol.

“Tanto a flucitosina quanto o fluconazol são usados em combinação com a anfotericina B, mas quando a flucitosina é utilizada em vez do fluconazol, as mortes caem em cerca de 40%. Garantir que a flucitosina esteja disponível em toda a África Subsaariana é a alternativa mais fácil quando se trata da prevenção de mortes por meningite criptocócica, e a África do Sul tem a oportunidade de desempenhar um papel de liderança na promoção desse medicamento vital. Mas, primeiro, a SAHPRA precisa aprovar seu registro”, disse o dr. Tom Ellman, diretor da Unidade Médica da África Austral de MSF.

Programa de acesso a medicamento

Em resposta a essa falta de acesso, um programa sul-africano de acesso clínico à flucitosina foi estabelecido por MSF em parceria com o Departamento Nacional de Saúde, em 2018, e posteriormente repassado à organização Clinton Health Access Initiative (CHAI). O programa de acesso tinha como objetivo disponibilizar o medicamento gratuitamente para hospitais na África do Sul que atendem casos da doença que demandam internação enquanto aguarda-se pelo registro da flucitosina.

De acordo com o Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul (NICD, sigla em inglês), um total de 596 pacientes com MC confirmada laboratorialmente, admitidos em 21 hospitais sul-africanos, receberam tratamento com flucitosina entre julho de 2018 e março de 2020, e 943 receberam outro tipo de tratamento. Verificou-se que os pacientes que receberam o regime com flucitosina tiveram uma chance 53% menor de morte em comparação com aqueles que receberam outros regimes.

“A meningite criptocócica é uma infecção oportunista”

“Tudo começou com uma enorme dor de cabeça, o tipo de dor de cabeça que embaça a visão e dá vontade de gritar”, diz Zikhona Mboto, moradora de Samora Machel, na Cidade do Cabo, que foi diagnosticada com MC em 2019 após ter sido inicialmente diagnosticada com baixa pressão sanguínea.

“Fui admitida no hospital e, felizmente, recebi flucitosina e fui curada. No entanto, enquanto eu estava lá, a pressão na minha cabeça era insuportável. A única coisa que ajudou foi uma punção lombar, que é quando eles colocam uma agulha em seu canal espinhal. Para qualquer pessoa que vive com HIV, eu gostaria de dizer que a meningite criptocócica é uma infecção oportunista; ela aproveita a oportunidade para infectar seu cérebro quando seu sistema imunológico está comprometido. Tome seus ARVs (antirretrovirais), não deixe seu sistema imunológico entrar em colapso e abrir as portas para a meningite criptocócica”, diz ela.

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